Wednesday, September 21, 2005

AULA DE DIREITO DAS SUCESSÕES - 02.09.2004

Vocês sabem que toda parte de inventário e partilha também está regulado no Código de Processo Civil. Quer dizer como e quando fazer o inventário, como nos autos do inventário fazer as declarações, como fazer a partilha amigável, isso tudo o CPC regula e, evidentemente, para isso, repete algumas das regras do Código Civil. Como o Código de Processo Civil é de 1973 e, portanto, posterior ao Código Civil anterior, de 1916, no que havia conflito entre as normas prevaleciam as do CPC/73.
Com a nova lei civil, o que fez o legislador? Já adaptou as suas regras ao CPC/73. Deste modo, nós aqui até temos regras que não tínhamos no Código Civil revogado, mas que já existiam no ordenamento jurídico brasileiro, pois faziam parte do CPC.
Princípios que temos de ter em mente antes de estudar essas regras. Vocês sabem que a lei preserva a legítima dos herdeiros necessários. Então, o primeiro princípio é igualdade sobre essa parte muito preservada dos herdeiros legítimos.
O princípio da igualdade da legítima não é o único que vigora. Depois que estudarmos inventário, na partilha, nós vamos ver ainda que existe um outro princípio que é o da comodidade entre herdeiros. Ou seja, exatamente para evitar litígios futuros, é que ao partilhar, na partilha judicial, o Judiciário deve tomar o maior cuidado para determinar aquilo que é mais cômodo entre os herdeiros. Assim, se há possibilidade de deixar para um herdeiro que mora em Recife, um imóvel localizado no Recife; e se neste mesmo inventário há um herdeiro que mora no Amazonas e lá há outro imóvel, é melhor que seja partilhado um desses imóveis localizado na região deles para cada um, ainda que haja pagamento de imposto, do que fazer da forma contrária, complicando, assim, a vida dos herdeiros.
Quando é em região turística, o juiz ainda questiona aos interessados a possibilidade do sujeito morar no Nordeste e ter um apartamento aqui no Rio para o seu lazer, para a época de turismo, se tiver também naquela região outro imóvel que possa para os herdeiros daqui fazerem o seu turismo lá. Esse é só um exemplo, mas o juiz no caso concreto precisa observar quais são os bens a partilhar quem são os herdeiros, quais as condições desses herdeiros que é para haver, na hora da partilha, uma comodidade entre herdeiros.
Esse princípio, que faz com que o juiz pense na comodidade dos herdeiros, evita litígios futuros. Se o juiz assim não agir, sobrecarrega o Judiciário, pois, mais tarde, os herdeiros estarão no Judiciário ou para fazer uma permuta qualquer de bens ou, na maior parte dos casos, para dissolver o condomínio instituído pelo Judiciário. Este, para não ter que analisar os detalhes do caso, o que é que vem fazendo, em quase todos os casos? Fixando o condomínio. Mas o condomínio às vezes não é prático para os condôminos. Pode-se argumentar que eles podem ir a juízo numa ação de dissolução de condomínio se não conseguirem exefcer esse direito potestativo amigavelmente. Sim, mas o Judiciário mais uma vez vai ser chamado a compor um conflito de interesses quando podia na partilha judicial ter evitado ou terminado esse conflito.
Assim, esses dois princípios nós vamos observar quando estudarmos partilha.
Vamos para o Capítulo inicial de inventário. Esse último título do Código cuida das duas coisas, inventário e partilha.
O art. 1991 consagra idéias do CPC, nos artigos 190 e 191, mostrando que desde que o inventariante assume o compromisso (de inventariante), até que se dê a partilha, ou seja, até que o Judiciário homologue a partilha (e se estamos falando em homologação essa norma está cuidando de uma partilha amigável. Essa não é uma norma jurídica para qualquer espécie de partilha), a administração da herança será exercida pelo inventariante, neste período, entre o compromisso e a homologação da partilha.
Se compararem o Código novo com o Código velho, vocês vão ver que este não abordava esses deveres de inventariante porque disso cuidava o CPC. Essa regra veio agora para o art. 1991, que em que pese não trabalhar, como o CPC, os deveres de um inventariante (o CPC traz isso em seu art. 991), mostra que a administração da massa de bens deixada pelo de cujus, cabe ao inventariante, desde que ele assume o compromisso nos autos do inventário até a efetiva homologação da partilha.
O Capítulo II, III e IV vão cuidar, ainda dentro do inventário, de três temas importantes: sonegados, que são exatamente aqueles bens ocultados pelo herdeiro que pensa que vai se dar bem sozinho sobre aquele bem.
O Capítulo seguinte vai cuidar do pagamento das dívidas do espólio, porque antes da partilha é preciso pagar aquilo que o sujeito que morreu devia.
E finalmente, o Capítulo IV, ainda dentro do inventário, vai trazer para alguns herdeiros, o dever de conferir, de trazer bens à colação (colação é conferência).
Passemos ao estudo desses três capítulos.
Sonegados. Vamos a um exemplo: imaginemos que o sujeito morreu deixando três filhos, mas eu morava com um dos filhos há muitos anos. E este filho, conhecendo melhor os seus hábitos, sabia que o pai fazia uma reserva em dinheiro, quando estava consigo em casa. Essa reserva, em dólares, estava escondida (seja no cofre, seja em algum canto do armário). Ora, se esse pai morreu pensando que esse filho que morava com ele não sabia disso, evidentemente - imagina este filho - que os outros filhos também nem imaginem isso. Assim pensando, o que este filho tende a fazer? Não comunicar nos autos do inventário esse montante em dólares para não ter que partilhar com os outros herdeiros. Essa sonegação traz para o sonegador um risco de perder o direito que lhe caiba sobre o bem ocultado. Ou seja, se o sujeito morreu deixando três filhos, e se este filho que morava com ele tinha direito a um terço, se ele sonegar o bem ele vai perder esse 1/3 que tinha sobre o bem e os outros vão dividir sozinhos essa quantia.
Essas são as idéias básicas que vamos ver neste Capítulo
Art. 1992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe caiba.
Descrever quando está em seu poder - essa é apenas uma das hipóteses - mas, no exemplo que eu dei o bem não estava em poder do herdeiro. O exemplo que eu dei se encaixa na segunda hipótese - "ou, com o seu conhecimento". As outras hipóteses se materializam quando um herdeiro sabe que o bem está em poder de outro herdeiro; ou, que simplesmente omitir na colação a que devia levar; ou que deixar de restituí-los, pois às vezes o bem, como no nosso exemplo, é da pessoa que faleceu e estava emprestado a um herdeiro que tinha de devolvê-lo, restituí-lo (e vejam, aqui, a obrigação de restituir).
Em todas essas hipóteses, o herdeiro que sonegar bem(ns) da herança, perderá o direito que sobre ele(s) lhe caiba.
Art. 1993. Vocês viram no artigo antecedente a descrição do inventário - "não os descrevendo no inventário" - e até que momento precisamos fazer essa descrição? A lei vai mostrar até que momento, porque no curso do inventário, o que você não declarou nas primeiras declarações, não o levará a responder como sonegador, pois terá outras oportunidades de fazê-lo. Mas existe um momento nos autos do inventário que você garante que não há mais bens. Vocês verão na lei que momento é esse, a partir do qual o herdeiro pode ser argüido como sonegador.
O art. 1993 mostra que além dessa pena - de perder o direito que lhe caiba sobre o bem - se o sonegador for o próprio inventariante, a outra pena que ele sofre é ser removido da inventariança, se provado a sonegação ou negando ele a existência dos bens, quando indicados por outras pessoas.
Essa pena de sonegados só se pode requerer e impor em ação movida pelos herdeiros ou pelos credores da herança (art. 1994). Herdeiros ou credores são aquelas pessoas interessadas naquelas quotas hereditárias. Então, são os legitimados a promover a ação de sonegados.
Parágrafo único desse art. 1994 mostra que a sentença que se proferir nessa ação de sonegados, movida por qualquer herdeiro ou credor, aproveita aos demais herdeiros e/ou credores.
Art.1995. Às vezes acontece do bem sonegado não existir mais. Então, o art. 1995 estabelece que se não forem restituídos os bens sonegados, porque o sonegador já não os tem em seu poder, ele, sonegador, deverá pagar a importância dos valores que ocultou, além das perdas e danos. Por que? Porque a sonegação sempre se dá por culpa ou dolo (culpa em sentido lato). Deste modo, as perdas e danos são cabíveis todas as vezes que agimos com culpa e o bem se perde.
A conseqüência das perdas e danos que analisamos agora é uma regra que existe no Direito das Obrigações.
Art. 1996. Fala daquele momento, a partir do qual vamos poder argüir algum herdeiro de sonegador. Só se pode argüir de sonegação o inventariante depois de encerrada a descrição dos bens, com a declaração, por eles feita, de não existirem outros por inventariar e partir. Essa primeira parte do artigo está falando do momento a partir do qual se pode argüir de sonegação o inventariante. Assim, não é qualquer herdeiro - é o inventariante - ,que é também herdeiro, lógico.
Na segunda parte desse artigo, vem o momento a partir do qual se pode argüir de sonegação os outros herdeiros: "...assim como argüir o herdeiro, depois de declarar-se no inventário que não os possui". Então, para o herdeiro comum, que não é inventariante, basta que ele declare que não tem um determinado bem indicado, que a partir desse momento, se estiver em sua posse esse bem, ele pode sofrer a ação de sonegação.
Agora, o inventariante, não. O inventariante precisa encerrar a fase de descrição de bens e ele declarar que não possui mais esses bens.
Da ação de sonegação cuida o CPC.
Aqui nós estamos falando só do direito material, quer dizer, um herdeiro pode se voltar contra outro que ocultou um bem da herança, um credor pode se voltar contra um herdeiro que ocultou bem da herança, exigindo, numa ação própria, que a esse herdeiro não seja dada nenhuma fatia desse bem sonegado.
O Capítulo seguinte vai falar do pagamento de dívida. E nós já tivemos oportunidade de analisar até um artigo desse capítulo quando falamos do Direito de Família. Estão lembrados quando analisamos os alimentos e comparamos um artigo do Cödigo Civil com um artigo da Lei do Divórcio, mostrando que quando uma pessoa morre devendo alimentos, o débito, seja de alimentos ou qualquer débito, sai do monte, da massa de bens que ele deixa ao falecer. Então nós vamos ver que algumas das idéias que se fazem presente neste capítulo nós já estudamos, mas vamos apenas revê-las nesse momento.
O art. 1997 mostra que a herança, ou seja o espólio, a massa de bens, que responde pelas dívidas do falecido. Evidentemente, enquanto há essa massa, enquanto há a universalidade. Depois que essa universalidade deixa de existir, ou seja, mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.
No Direito brasileiro não existe hereditas danosa - herança daninha - ou seja, toda herança é benefício de inventário. Isso significa o que? Que eu, herdeiro, que herdei alguma coisa, respondo pelas dívidas também, mas dentro daquilo que eu herdei. Eu fui uma das herdeiras e herdei R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Se a dívida deixada pelo de cujus, dividida entre todos os herdeiros, dá para cada um deles, quatrocentos mil reais de dívida, eu tenho que pagar por essa quota de dívida. O argumento de que não sobrará quase nada não importa. Quem recebe herança recebe ativo e passivo, por isso temos a oportunidade de renunciar, se não quiser; mas, enfim, responde pelo ativo e passivo da herança.
A massa de bens, enquanto é universalidade responde. Mas quando não há mais massa, depois de feita a partilha, e cada herdeiro recebe a sua quota ou os seus bens na herança, aí sim, cada herdeiro é que é responsável por essas dívidas, proporcionalmente àquilo que recebeu.
Agora, vamos imaginar o credor que tem um crédito a receber e que acuse nos autos do inventário que é credor. Em outras palavras, ele está requerendo o pagamento da sua dívida. Mas ele não precisa executar para receber o seu crédito. Imaginenos que ele tenha uma nota promissória, assinada pelo de cujus, já vencida. Se ele fizer a execução daquele título de crédito ele vai receber o seu crédito. Mas é preciso que ele mostre no inventário que tem esse crédito a receber para o juiz reservar essa quantia para ele.
O parágrafo primeiro vai cuidar dessa reserva.
Quando, antes da partilha, for requerido no inventário o pagamento de dívidas constantes de documentos, revestidos de formalidades legais (o seja, esses documentos provam que há uma obrigação de pagar uma determinada quantia), constituindo prova bastante da obrigação, e houver impugnação , que não se funde na alegação de pagamento, acompanhada de prova valiosa (ou seja, se os herdeiros não impugnarem, apresentando a prova do pagamento, que afastará aquela reclamação de pagamento. Mas se os herdeiros não tiverem a prova de pagamento e se o credor se habilita nos autos do inventário provando seu crédito, o que o juiz vai fazer? O que estabelece esse parágrafo em sua parte final), o juiz mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para a solução do débito, sobre os quais venha a recair oportunamente a execução.
Mas observem que o parágrafo segundo vai dar um prazo para o credor mover essa execução, sob pena de ficar cancelada essa reserva.
Já era assim, não há novidade nenhuma nessas disposições.
Então, diz o parágrafo segundo:
No caso previsto no parágrafo antecendente, o credor será obrigado a iniciar a ação de cobrança no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de se tornar de nenhum efeito a providência indicada (que providência é essa? É aquela reserva).
Assim, se em trinta dias, o credor não vai pelas vias próprias cobrar o seu crédito, o juiz cancela a reserva e parte.
- A partir da publicação e homologação?
- Não, nem há homologação, veja o que diz o parágrafo primeiro. É antes da partilha. Se foi feita a partilha não tem mais sentido reserva. O credor que cobre de cada herdeiro.
- Na realidade é uma garantia de execução?
- É uma garantia. O juízo reserva aquele bem.
Isso evita que ele vá a juízo depois contra vários herdeiros. Suponhamos que sejam oito herdeiros. Se for feita a partilha, ele tem que reclamar de cada herdeiro, depois de partilhado, 1/8 do seu crédito. Vejam como é mais fácil ele requerer enquanto há uma universalidade, quando há uma massa de bens.
O art. 1998 vai falar de outro tipo de dívida: despesas funerárias.
O sujeito que morre até para enterrar dá despesa, como sabemos todos nós. Isso é dívida que ele, morto, deixou. Então diz o art. 1998:
As despesas funerárias, haja ou não herdeiros legítimos, sairão do monte da herança; mas as de sufrágios por alma do falecido só obrigarão a herança quando ordenadas em testamento ou codicilo.
Deve-se ter cuidado porque aqui as despesas funerárias são aquelas, não apenas para enterrar, porque a jurisprudência entende como despesa funerária toda a despesa que ele fez até morrer, incluindo aquelas despesas hospitalares, tudo aquilo é despesa considerada funerária pela jurisprudência.
Mas a lei vai mostrar que, embora essas despesas saiam do monte, porque foram despesas que o de cujus fez para morrer, há despesas que não vão sair do monte. Por exemplo, aquelas missas, sufrágio por alma do falecido; quem manda rezar essas missas que pague por isso.
A não ser que o de cujus tenha pedido isso. Vejam o que diz a parte final desse art. 1998: "mas as (despesas) de sufrágios por alma do falecido só obrigarão a herança quando ordenadas em testamento ou codicilo (pela pessoa de cuja sucessão se trata)".
Art. 1999. Sempre que houver ação regressiva de uns contra outros herdeiros, a parte do co-herdeiro insolvente dividir-se-á em proporção entre os demais.
Imaginem que o sujeito tenha falecido devendo a entrega de um cavalo. E aí um dos herdeiros paga essa dívida e faz a entrega do cavalo. Eu estou dando o exemplo de um cavalo porque é um bem naturalmente indivisível, mas podia ser uma a dívida, e um herdeiro a quitava por inteiro. Quem paga não tem direito de pedir aos outros a quota que a estes caberia? Então esse herdeiro pode, numa ação regressiva, cobrar aos outros aquilo que ele pagou por esses outros herdeiros.
O art. 1999 cuida dessa ação regressiva dizendo que sempre que ela acontecer, de um dos herdeiros contra os outros, a parte do co-herdeiro insolvente dividir-se-á em proporção entre os demais.
Essa regra da insolvência é idêntica a do Direito das Obrigações. Se o co-devedor se torna insolvente pela quota do co-devedor responde os demais devedores, não é assim? Aqui vocês vão ver o Direito das Sucessões repetindo regra do Direito das Obrigações.
- Só não entendi o seguinte: se ele está herdando ele continua insolvente com a herança?
- Às vezes continua insolvente.
- Ele era insolvente antes, mas com a herança...
- Aqui é dívida, aqui é pagamento de dívida. Ele já está insolvente, ele não tem crédito para pagar, e quem responde pelo pagamento do espólio? Você está imaginando que ele recebeu alguma coisa, mas às vezes ele não recebeu. Lembre-se daquele exemplo do sujeito que teria direito a 1/4 da herança, que seria de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), mas o de cujus ficou devendo três milhões de reais na praça. Esse sujeito não tem de pagar a dívida dentro do monte que ele recebe, tudo bem; só que ele não tem dinheiro para pagar. Esse sujeito que é insolvente, pois não tem dinheiro para pagar, não recebeu e não é obrigado a dispender o patrimônio próprio para pagar, pois ele tem de pagar dentro daquilo que ele recebeu, o que se faz com a quota do insolvente? A mesma coisa que o Direito das Obrigações manda fazer. Lembrem-se que os herdeiros no Direito das Sucessões são os devedores do Direito das Obrigações: tendo ou não tendo vai ter que pagar. Qual foi o exemplo do cavalo?
- Ação regressiva de um herdeiro contra o outro.
- Sim, claro. A ação regressiva é porque alguém já pagou o credor. Você está no capítulo Do Pagamento das Dívidas, então, imagine o exemplo do cavalo: um herdeiro entregou o cavalo. Sim, mas o cavalo custou quanto? Dez mil reais. São cinco herdeiros, cada um respondendo por 1/5 disso. Quem vai pagar por 1/5 do cavalo? O que já entregou o cavalo fez o pagamento integral de tudo entregando o cavalo. E aí, como é que ele vai receber a quota - quatro vezes 1/5 - que uma parte é dele. Como é que ele vai receber isso? Só cobrando dos outros herdeiros.
A mesma coisa com relação ao dinheiro. Vamos imaginar que ele tenha feito o pagamento de uma dívida pequena, de R$ 500,00 (quinhentos reais). Se são cinco herdeiros cada herdeiro pagaria R$ 100,00 dessa dívida, dentro do quinhão hereditário. Mas há um herdeiro insolvente, não tem para pagar. Alguns pensariam que ele já recebeu, mas ele está insolvente mesmo tendo recebido, mesmo pagando a seus credores ele continua insolvente. O que diz a lei civil do Direito das Obrigações? Que pela quota do insolvente sempre, em todas as hipóteses, responde os co-devedores. Os herdeiros não são co-devedores? A quota do insolvente vai ser rateada entre os demais. Esse que está insolvente não entra no rateio. Assim, é pegar esses cem reais da quota dele e dividir entre quatro. Essa é a regra do Direito das Obrigações.
Não é só isso: o Direito das Obrigações traz regras também para quando se perde um bem, por exemplo, por evicção. Quem paga pela quota do evicto? Tudo que vocês ver aqui é repetição do Direito das Obrigações, não tem novidade nenhuma aqui no Direito das Sucessões. Mas, é óbvio, que o art. 1999, quando fala de ação regressiva, está pressupondo que um dos herdeiros tenha pago sozinho a dívida. Por isso, dá o direito de regresso.
Vocês lembram da diferença entre obrigação solidária e obrigação indivisível? Qual é a diferença básica? Exemplifiquemos:



Imaginem, em duas hipóteses distintas, A, credor; B, C e D devedores.
Só que, numa das hipóteses, a obrigação é indivisível; na outra, a obrigação foi pactuada solidária.
E aí, nas das hipóteses, peguem C, devedor, pagando a obrigação a A.
Qual o direito que se abre para C: na obrigação indivisível é um, na obrigação solidária, é outro.
Essa é a importância em saber fazer a distinção entre uma obrigação indivisível e uma obrigação solidária.
Por que? Porque numa obrigação indivisível, a lei vai dar ao credor C, do nosso exemplo, o direito de sub-rogação. Ele sub-roga-se no direito do credor, ele ocupa o lugar de A, e tem todas as ações que A teria contra os seus devedores (por exemplo, busca e apreensão, além de execução).
Mas quando a obrigação é solidária isso não existe. A lei não dá sub-rogação ao devedor que paga. A lei dá, tão-somente, o direito de regresso.
Isso quer dizer que a obrigação de pagar as dívidas do espólio é solidária de todos os herdeiros. E se um deles paga sozinho, a lei dá a quem pagou o direito regressivo.
Agora, vocês sabem o que é direito de regresso, agora vocês estão vendo que a obrigação é de todos. Porque a solidariedade decorre da vontade das partes ou de uma determinação legal.
Art. 2000. Os legatários e credores da herança podem exigir que do patrimônio do falecido se discrimine o do herdeiro, e, em concurso com os credores deste, ser-lhes-ão preferidos no pagamento.
Voltemos para a hipótese do herdeiro insolvente. O sujeito, credor do espólio, tem, na massa de bens deixada pelo de cujus, a esperança de receber o seu crédito.
Ocorre, que os credores de um dos herdeiros, insolvente, também têm aí nessa herança a esperança de receber o seu crédito.
Sim, mas eu pergunto a vocês: de quem é a preferência? Do credor do de cujus ou do credor do espólio?
O Direito é uma coisa muito simples, é só raciocinarmos porque ele é lógico, todas as regras são impregnadas de bom-senso. Se entendermos as regras vamos entender qual a solução da lei.
Vamos, pois, imaginar que o sujeito morreu devendo. Os seus credores estão de olho nessa herança, não estão? Mas os seus herdeiros, também estão devendo na praça. Os credores desses herdeiros também estão de olho na herança, porque é a chance deles receberem o crédito quando os seus devedores já estão insolventes. Raciocinem comigo: de quem será a preferência: do credor de quem morreu, ou do credor dos herdeiros? Quem morreu deixou uma massa de bens, o credor que contratou com ele, ao contratar, verificou essa massa. Então, essa massa é exatamente a massa que protege o crédito do credor do sujeito que morreu. Então, a preferência é do credor de quem morreu, porque ele verificou o patrimônio do seu devedor na hora de contratar.
Agora, o credor do herdeiro, a obrigação dele quando contrata é de verificar o patrimônio de quem está contratando com ele. Ora, o herdeiro não tinha ainda essa herança no seu patrimônio, ele podia ter expectativa de direito, expectativa de herdar, mas não tinha ainda isso no seu patrimônio.
Assim sendo, num concurso entre credores do espólio (do de cujus) e credores do herdeiro, a preferência tem de ser dada aos credores de quem morreu.
É a regra do art. 2000: "os legatários e credores da herança..." por que legatários e credores? Porque legatário é também um credor, ele tem direito de pedir a coisa legada contra o herdeiro. Então, todos os credores da herança e legatários podem exigir que do patrimônio do falecido se discrimine o patrimônio do herdeiro. Por que? Porque em concurso com os credores deste, quer dizer, eles, credores do falecido, em concurso com credores do herdeiro, ser-lhes-ão preferidos no pagamento. Quem é que tem preferência no pagamento? O credor de quem morreu. O credor do herdeiro tem que esperar o pagamento dos credores do espólio para depois retirar o seu crédito.
E finalmente, no capítulo do Pagamento das Dívidas, a última regra consagra um princípio muito interessante no Direito de Família: solidariedade familiar.
Art. 2001. Se o herdeiro for devedor ao espólio, sua dívida será partilhada igualmente entre todos, salvo se a maioria consentir que o débito seja imputado inteiramente no quinhão do devedor.
Imaginem um pai, que morreu deixando cinco filhos, e um desses filhos lhe deivia uma quantia emprestada. Quem é que paga por essa quantia que um dos filhos devia? Diz a lei: todos os filhos pagam; salvo se a maioria consentir que o débito seja imputado inteiramente no quinhão do devedor. Mas, para isso, a maioria precisa consentir, porque a regra da lei e que todos paguem, porque a regra da lei impõe, consagra o princípio da solidariedade familiar.
Pode parecer estranho a quem não percebe que o Direito de Família traz a solidariedade familiar. Se um irmão precisou pegar dinheiro emprestado com o pai é porque ele estava numa situação mais delicada. Ora, a solidariedade familiar impõe que os outros irmãos ajudem, notadamente num momento como esse que eles estão recebendo a herança. Não é lógico esse raciocínio? Por isso a lei, em regra, diz que a obrigação é de todos, inclusive desse irmão que devia.
A lei só vai excepcionar se a maioria permitir que ele pague sozinho. Observem a linguagem da lei: se a maioria consentir que aquele herdeiro pague sozinho. Quer dizer que vai ser uma exceção isso, mesmo assim não depende de quem deve. Não depende de quem deve dizer que assumirá o débito sozinho. Não, depende da maioria diga que ele pode pagar sozinho. Se a maioria não consentir, ainda que outros irmãos não se conformem, vão ter que dividir essa dívida - porque a solidariedade familiar assim lhes impõe.
Interessante essa regra, não?
O Direito abstrato faz o possível para que as famílias sejam unidas. Entretanto, nem sempre é assim.
O capítulo seguinte cuida daquela conferência, daquela colação que nós já falamos aqui tantas vezes.
Mas, observem, que a lei não traz a obrigação de conferir para qualquer herdeiro. Isso é uma coisa importante, eu chamei a atenção quando estudamos a deserdação para que vocês vissem que só herdeiros necessários podem ser deserdados. Aqui na colação eu chamo a atenção de novo. Por que há essa regra de colação, de conferência? Porque algumas pessoas recebem em vida bens doados pelo já de cujus que o fez por ato inter vivos. Ora, mas para algumas dessas pessoas a lei diz que essa doação é antecipação da legítima, não diz? Para descendentes, lá no contrato de doações, a lei diz que a doação feita de ascendente para descendente constitui antecipação da legítima. Se você, em vida, antecipa alguma coisa que um descendente terá direito depois de morrer, quando você morrer - e se você morrer primeiro - esse descendente está obrigado a trazer essa coisa doada aos autos do inventário, à colação, com a finalidade de igualar a legítima. Porque se ele não trouxer esse valor a legítima não será igualada, algum herdeiro será prejudicado na sua legítima.
Deste modo, a colação tem por fim igualar a legítima. E de quem é a obrigação? É daquele que recebeu em vida um bem que constituía antecipação da legítima. Por isso a lei chama os descendentes, que concorrerem à sucessão do seu ascendente, estão obrigados a igualar as legítimas, conferindo as doações que do de cujus em vida receberam, sob pena de sonegação.
Então, vejam que coisa interessante: a lei diz que a doação é antecipação da legítima. O descendente tem de trazer à colação, à conferência esse bem para igualar a legítima. Mas, e se ele não trouxer? Ele perde o direito que lhe cabia sobre o bem. Perguntam alguns: mas já não foi doado a ele? Ele perde, porque a doação nesse caso era antecipação da legítima. Ele vai perder a parte que lhe cabe sobre este bem. Numa hipótese, vamos imaginar cinco filhos, ainda que ele tivesse direito a um quinto - estou imaginando que só este é o bem a ser inventariado - ele perde e os outros quatro irmãos vão ficar com esse imóvel que em vida foi doado a ele. Foi doado, mas constituindo antecipação da legítima.
Se ele não sonegar, ele tem direito a ficar com aquele bem e pagar aos outros, repor aos outros o quinhão que excedeu a parte dele.
Mas, ocultando, não trazendo o bem à colação quando está obrigado a conferir, ele responde por sonegação.
- Essa regra é de ordem pública?
- Claro, claro que é de ordem pública. Mesmo a doação, mesmo a colação.
- Mesmo os outros herdeiros não se pronunciando...
- Não importa.
- ......
- Prestem atenção, porque isso é importantíssimo. Ainda assim, nos autos do inventário, faça. Por que? Mesmo que depois de partilhado, algum herdeiro não queira a reposição. Mas faça, não se esqueça que pode aparecer um filho havido fora do casamento. E se você renunciar a favor de um irmão, quando o outro herdeiro vier, ele vai levar. Então, cuidado com aquilo que fazem nos autos do inventário.
E não é só outro filho, não. A doação é um ato intervivos não tem nenhum problema, o pai doa a um filho; mas ainda que o pai nada diga, a lei diz que aquele ato é antecipação da legítima.
- Mas se os irmãos, todos herdeiros, se manifestaem, dizendo que estava de acordo, mesmo assim terá de trazer à colação?
- Você deve estar imaginando a compra e venda, que é diferente. A compra e venda a lei exige manisfestação expressa dos outros descendentes. Nessa hipótese, a compra e venda não vem a conferência, porque houve, efetivamente, uma compra e venda conferida do ato pelos herdeiros.
Mas a doação, não: participe ou não participe os outros herdeiros, aquiesçam ou não, a lei diz que é antecipação da legítima e virá para o monte para igualar a legítima.
E se não vier? Aquele que está obrigado a trazer à colação e não traz, pode responder pela pena de sonegados.
Mesmo que os irmãos façam um acordo, não queiram, não pensem em entrar com ação nenhuma. Tudo bem, só que aparece um irmãozinho depois. O que acontece? Ele perde o bem, e os outros irmãos que não fizeram a ação de sonegação também não vão ficar com ele, porque renunciaram a favor do irmão. Refiro-me aqui àquela renúncia traslatícia..................
Então, tomem muito cuidado - sempre! "Garanto que meu pai e minha mãe não deixaram outro filho". Não garanta, pois vemos isso acontecer todos os dias.
Vocês sabem, pois eu já comentei aqui em sala de aula, que perdi minha mãe há cerca de um ano. Somos três filhas. As três querendo abrir mão da meação da minha mãe, que seria a integralidade do patrimônio dela, em favor do meu pai. Mas isso significava um imposto de transmissão altíssimo - pois constituiria em aceitar e doar. Doação paga imposto dobrado. Tanto mais quando ele não era herdeiro, ele só era meeiro, casado na comunhão universal, ele não é herdeiro.
Se fosse herdeiro, quer dizer, num regime que a lei permitisse, poderia haver essa cessão de direitos hereditários, porque o NCC diz, que não há transmissão de direitos quando você cede gratuitamente. Mas ele não é herdeiro. Então, para fazer isso nos autos do inventário sairia muito caro o imposto de transmissão. Resolvemos não fazer isso.
Em vida os meus pais doaram para uma das minhas irmãs um apartamento. E aí, chegou um determinado momento, que eu chamei, em razão do inventário, mostrei que havia um risco: nós irmãs não vamos fazer nada; mas existem maridos de irmãs, e existem filhos que podem aparecer. "Ah, mas eu garanto que não há... " não garanta: traga o bem à colação. Não corra risco de perder o direito. Não é melhor assim? Não há imposto a pagar, é só conferência. Mas não corra o risco. Orientem sempre os clientes de vocês em não correr risco, porque vemos todos os dias coisas que não poderiam acontecer acontecendo.
Podemos fazer tudo que queremos depois de feita a partilha, podemos dar o que recebemos para quem quisermos. Ou dar efetivamente, legalmente, ou entregar, sem nenhum documento. Eu posso receber a fatia que me cabe na legítima e entregar em mãos do meu pai. Eu preciso fazer alguma doação, eu preciso fazer de uma forma para pagar um imposto altíssimo? Se efetivamente for uma quantia vultuosa que aparecer, imóveis, enfim, pode ser que precise pagar.
- E se esse imóvel tivesse sido doado em condomínio para vocês três?
- As três teriam de trazer à colação. Não corram riscos. Porque correr riscos significa um risco maior: perder o direito sobre o bem. Nesse exemplo que você deu, instituir um condomínio, ninguém levou à colação. Terminado aquele inventário alguém propõe a anulação daquela partilha. Aparece um filho, e aí? "Ah, mas eu garanto que minha mãe não teve filho nenhum fora do casamento." Eu também garanto, mas ainda assim, é melhor fazê-lo com segurança.
Mas pode aparecer um filho por parte do meu pai. Imaginem a morte dele e imaginem a disputa patrimonial. Tudo pode acontecer. "Ah, mas eu garanto que não vai acontecer", eu também garanto, mas ainda assim eu vou fazer o que eu orientaria qualquer cliente fazer. É mais ético, é mais correto alertar sobre todos os riscos. É melhor não correr risco nenhum, notadamente quando advogamos profissionalmente, notadamente quando estamos ganhando para isso.
- Mas mesmo quantia em dinheiro?
- Claro, você paga imposto sobre isso, imposto de reposição. É porque as pessoas imaginam que o dinheiro não é patrimônio, e aí pensam que não precisa ser levado à colação.
- .........................
- Acontece demais com a conta conjunta. Basta um cri-cri.
O exemplo da conta conjunta é fantástico, porque quem tem a conta conjunta, diante do óbito, usa o restante. Mas a metade daquilo que restou pertence aos herdeiros.
Quando a partilha é amigável é fácil, mesmo assim há riscos. O problema é quando a partilha é judicial.
Estamos no cálculo da legítima, no parágrafo único, do art. 2002.
Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível (faz parte da legítima), sem aumentar a disponível.
Isso não aumenta a parte disponível.
Isso aumenta, quando você traz à colação, a parte da legítima. Essa é a finalidade da colação: é verificar qual é a verdadeira legítima para poder dar uma partilha igual para todos os herdeiros. Senão, quem recebeu a doação em vida é beneficiado. Ora, mas os descendentes não têm os mesmos direitos? Claro, se não trouxer à colação os herdeiros que não receberam a doação vão receber menos.
Art. 2003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados.
Igualar as legítimas de quem? Antes era só dos descendentes, hoje é destes e do cônjuge sobrevivente, quando este tem direito.
A lei está dizendo que a finalidade é igualar a legítima e não importa se você não tem mais o bem. "Ah, mas aquele apartamento que eu recebi em doação em vida eu vendi". Tudo bem, mas aquele apartamento tinha um valor, esse valor tem que vir à colação.
Diz a lei na parte final do caput do art. 2003 que também estão obrigados os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados. Esses valores tem de vir à colação.
O parágrafo único é novo e diz assim:
Se computados os valores das doações feitas em adiantamento de legítima, não houver no acervo bens suficientes para igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge, os bens assim doados serão conferidos em espécie, ou, quando deles já não disponha o donatário, pelo seu valor ao tempo da liberalidade.
"...ao tempo da liberalidade", isto é, ao tempo da doação.
Art. 2004. O valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade.
Quer dizer, no ato da doação, o doador atribuiu um valor.
Se não constar esse valor, o parágrafo primeiro traz a solução: os bens serão conferidos pelo que então se calcular valessem naquele tempo, ou seja, se faz uma estimativa.
Parágrafo segundo. Só o valor dos bens doados entrará na colação. Se sobre esse bem pesar benfeitorias, diz a lei: não entrará em colação o valor das benfeitorias acrescidas, porque essas benfeitorias pertencem a quem fez, a quem recebeu a doação.
Correndo também a conta deste, do herdeiro, o rendimentos, danos etc. Só vem à colação o valor do bem doado; o resto é benfeitoria, é fruto, pertence ao próprio herdeiro.
Os arts. 2005, 2007, 2010 e 2011 são artigos que trazem dispensa de colação. Veremos um por um, mas na ordem do Código.
Vocês têm de tomar cuidado com essas regras porque, fora esses casos de dispensa, todos os outros bens terão de vir à colação.
A lei vai dispensar a vinda à colação quando a pessoa doa e determina que essa doação saia da sua disponível. Aí não estará invadindo a legítima. Ora, a colação não tem fim de igualar a legítima? Se o testador determinou que saia da sua disponível não precisa esse valor vir à colação.
É o que vai dizer o art. 2005:
São dispensadas da colação as doações que o doador determinar que saiam da parte disponível, contanto que não excedam, computando o seu valor ao tempo da doação.
- Mas aqui não subentende-se que ele estava vivo? Você falou em testamento?
- Tanto que a lei fala em doação. Essa determinação a que se refere o art. 2005 (são dispensadas da colação as doações que o doador determinar...) não pode vir em testamento? Ele já fez a doação, ele já fez em vida, ele não disse, no momento da doação, de que parte vai sair, mas, no testamento, ele diz: o bem que eu doei a Fulano de Tal, é para ser tirado da minha disponível. Aí esse bem não precisa vir à colação. Ele já tinha doado, mas, no testamento ele pode determinar que saia da sua parte disponível. Na verdade, esse donatário foi beneficiado como herdeiro testamentário, e não herdeiro legítimo.
Parágrafo único. Presume-se imputada na parte disponível a liberalidade feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário.
Essa é a única hipótese em que a lei vai presumir que essa doação não está sendo antecipação da legítima.
Vamos imaginar: o sujeito doou para um seu funcionário do escritório um determinado bem. Só que, mais tarde, se descobriu que esse funcionário era um filho havido fora do casamento.
O que diz a lei? Se no tempo em que ele doou, ele, hoje de cujus, não sabia que aquele sujeito era filho, este não era considerado herdeiro necessário. Deste modo, na cabeça do doador aquela doação não foi antecipação da legítima porque o donatário não era herdeiro necessário. Essa é a única hipótese em que a lei vai presumir que essa doação saia da disponível. O donatário é descendente - pode ser filho, ou neto, não importa - mas, no momento da doação, o doador não sabia disso.
Percebam a lógica do Direito: se o doador doou, o fez sabendo que aquilo não viria ao monte hereditário no momento da morte, porque aquela doação não constituía antecipação da legítima. Então, ele doou dentro do patrimônio disponível dele.
- Voltando ao caput: se no ato solene da escritura de doação ele mencionar que essa doação sai da sua parte disponível?
- Eu acho que pode e vou lhe dizer porque. Vamos ao art. 544, onde vocês podem ver que está um pouco modificado, pois no Código revogado o artigo correspondente, o 1171, assim estabelecia:
A doação dos pais aos filhos importa adiantamento da legítima.
Agora, o NCC assim estabelece:
A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.
Portanto, não é só de pais, pode ser também da avós para netos; pode ser de bisavós para bisnetos.
O cônjuge foi incluído porque agora ele também é herdeiro necessário.
Essa é uma regra de ordem pública. É lógico que a antecipação da legítima não pode ser afastada. A lei está pressupondo que você doe a parte que atinge a legítima. Se você pode, num testamento, determinar que essa doação saia da sua disponível porque não poderia na própria escritura de doação. Quando você faz, na escritura de doação, uma consignação dessa idéia de que essa doação saía do seu patrimônio disponível, você está pressupondo que vai morrer deixando disponível. O que pode acontecer? No momento da sua morte, a disponível ser pequena demais para conter todo esse valor. Pode ocorrer excesso, mas ainda assim temos a regra do excesso. Pode ser que ele fique com o bem e pague aos outros herdeiros. É, não vejo porque não ser possível, pois está preservado...
- No art. 549 diz que "nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento".
- Mas aí é no momento da liberalidade. Nós vamos ver depois a doação inoficiosa, que era a que excedia a legítima e mais a metade da disponível (art. 1790, parág. único, CC/16).
- Se o sujeito que doou em nenhum lugar determinou que saia da sua disponível, se o valor for suficiente pode sair?
- Não. Você pode até admitir que os herdeiros negociem isso entre eles, mas você deve estar fazendo a pergunta para efeito do tema que estamos estudando. Esse bem tem que vir à colação? Tem, porque esse bem faz parte da legítima. Quando ele não determina que saia da sua disponível, a lei presume que faz parte da legítima. E por que que a lei faz essa pressuposição? Porque lá no contrato de doação disse que constituía antecipação da legítima. Se você não traz o bem à colação você não está igulando a legítima, você está prejudicando os herdeiros necessários. "Ah, mas os herdeiros necessários não se opõem a isso. Nos autos do inventário eles consignam isso." Tudo bem, eles estão abrindo mão de um patrimônio que é deles - é direito disponível. Eles, na verdade, estão renunciando à parte da legítima.
Entendeu o raciocínio? O bem teria que vir à colação, mas não veio. E os irmãos disseram que abrem mão da parte que lhes cabe sobre aquele bem. Mas aí surge um outro herdeiro. Como o bem não veio à colação, o outro herdeiro leva sozinho esse bem, porque os irmãos renunciaram à parte que lhes cabia e o outro irmão que estava obrigado a trazer à colação não trouxe, perdeu o direito que cabia sobre o bem, se o outro, em ação própria, requerer a imposição da pena de sonegados.
Percebeu o risco? Eu acho um risco grande demais para vocês correrem, agora cada um sabe da sua vida. Eu preciso mostrar a vocês como são as regras do DIreito e como devemos trabalhar essas regras. Agora, quem quiser correr o risco corre. Tem cliente que nos diz assim: garanto que não há outro filho. Pode fazer assim. Tais clientes eu mando que assinem uma declaração dizendo que, Fulano, mesmo alertado, optou em fazer dessa maneira. E aí eu faço como o cliente quer, mas eu tenho que livrar a minha responsabilidade.
A resposta para aquela pergunta que você me havia feito está aqui no art. 2006: A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em testamento, ou no próprio título de liberalidade.
Antes de passarmos à análise do art. 2007, eu preciso chamar a atenção de vocês para o seguinte: quem sabe o que é doação inoficiosa? Isso cai à beça em concurso, porque o candidato, em geral, não sabe o que é, e recorre ao índice do Código e não encontra; vai buscar lá no contrato inter vivos, e também não acha. Mas, doação inoficiosa sempre foi tema do Direito das Sucessões Testamentárias e sempre esteve, no Código revogado, no art. 1790, parágrafo único, que definia a doação inoficiosa, dizendo: "Considera-se inoficiosa a parte da doação, ou do dote, que exceder a legítima e mais a metade disponível".
Não é mais assim, mas ainda subsiste a doação inoficiosa. Vamos analisar? Ela está em um dos parágrafos desse artigo que nos vamos analisar agora, o 2007.
"São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso..." , lógico, sabemos que a colação tem a finalidade de igualar a legítima. Se verificamos que, ao doar, mesmo o fazendo da parte disponível, o testador invadiu a legítima, tem que fazer redução.
Deixem-me fazer aqui um parentese: nós estudamos a redução das disposições testamentárias em capítulo próprio, e aprendemos as regras: primeiro, se reduz a herança, depois os legados. Naquele capítulo nós estudamos redução de disposições testamentárias.
Já no artigo que ora analisamos, o legislador está falando de algo que não foi disposto em testamento; está falando de redução da doação, ato inter vivos. Assim, estão sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade.
Sim, e como é que se faz? As regras estão todas aqui. Houve excesso? Está sujeita à redução, o caput já o disse. E como é que se faz essa redução?
1 . O excesso será apurado com base no valor que os bens doados tinham, no momento da liberalidade.
É o que dispõe o parágrafo segundo;
2 . A redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do excesso assim apurado; a restituição será em espécie, ou, se não mais existir o bom em poder donatário, em dinheiro, segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão, observadas, no que forem aplicáveis, as regras deste Código sobre a redução das disposições testamentárias.
O donatário tem que devolver ao monte hereditário aquilo que recebeu e excedeu à parte disponível.
O que a lei está dizendo aqui é que é preciso apurar quanto do excesso e restituir ao monte aquilo que excedeu. De preferência em espécie. Por exemplo: dez carros, da agência de automóveis do sujeito que possuía. Ele havia feito uma doação, mas não comportava esses dez carros na doação. Dois automóveis excediam à disponível. Esse donatário tem de devolver, de preferência, em espécie, esses dois carros. E se não puder ser em espécie? Paga em dinheiro, pois eles têm de voltar ao monte para igualar a legítima.
A idéia de todo esse capítulo é fazer voltar para a legítima aquilo que os herdeiros necessários têm direito.
- Só há uma diferença nesse parágrafo, porque em todo esse capítulo se fala...
- Exatamente, no valor ao tempo da liberalidade e aqui há uma diferença pois manda-se que se compute o valor ao tempo da abertura da sucessão.
3 . Sujeita-se a redução, nos termos do parágrafo antecedente, a parte da doação feita a herdeiros necessários que exceder a legítima e mais a quota disponível.
Vejam que aqui fala-se na quota disponível e não mais na metade disponível.
Aqui está a doação inoficiosa. E a lei traz a solução no parágrafo terceiro. Porque antes questiona-se em concursos: o que acontece com a doação inoficiosa? Ela é nula? Ela é válida ou inválida? Se inválida, ela é nula ou anulável? E agora a lei responde. Ela está sujeita a redução. Vale a doação dentro da parte que era possível dispor, no restante ela é inválida.
- Não entendi, não consegui absorver a idéia.
A definição da doação inoficiosa é a mesma, só que a lei não fala mais da metade disponível, fala em quota disponível. Na verdade, qual é a quota disponível do patrimônio do de cujus? É a metade do patrimônio dele. Mas quando a lei falava metade disponível não idealizava a disponível por inteiro para alguns intérpretes. Para nós até idealizava, pois para mim só seria metade dessa metade disponível se o legislador falasse em metade da disponível. Mas não existia essa da na lei revogada. O que dizia a lei? "Considera-se inoficiosa a parte da doação, ou do dote, que exceder a legítima e mais a metade disponível." Metade disponível é o que? É a quota, é a metade do patrimônio do testador que ele pode deixar para quem ele quiser. Se exceder legítima e mais a quota disponível a doação é inoficiosa. Ele ultrapassou aquilo que poderia dispor, e aí fica sujeito sim à redução.
A doação inofisiosa, em resumo, subsiste no parágrafo terceiro do art. 2007, com a redação um pouco alterada, não apenas porque muda a palavra "metade" para "quota", mas porque mostra que essa doação está sujeita à redução nos termos do parágrafo antecedente. E agora sim, pela primeira vez, o Código está regulando a redução da doação inoficiosa. Antes não existia regra para reduzir a liberalidade feita em excesso.
É tão importante trazer o bem à colação para efeito de igualar a legítima, que a lei não vai dispensar nem na hipótese do sujeito que renuncia. Porque as vezes o espertinho está renunciando exatamente para isso: para não ter que trazer o bem doado à colação e não ter que pagar aos outros herdeiros a quota que invadiu.
O art. 2008 vai dar a esse renunciante o dever de trazer o bem à colação.
Aquele que renunciou a herança ou dela foi excluído, deve, não obstante, conferir as doações recebidas, para o fim de repor o que exceder o disponível
Aquele que renunciou a herança - mesmo aquele que foi excluído, indigno ou deserdado - tem que conferir a doação recebida para o fim de repor o que exceder do disponível.
Nós já vimos o direito de representação. Estão lembrados de hipóteses em que os netos representam o pai na sucessão de um avô? Na verdade, existem outros filhos que podem herdar. Então, a sucessão vai do primeiro grau, na linha reta descendente; e em relação ao indigno, pré-morto, deserdado ou ausente judicialmente assim declarado, a lei chama os seus descendentes. Imaginenos que os netos venham à sucessão do avô, representando o pai (pré-morto, indigno, não importa). Vejam o que diz a lei no art. 2009:
Quando os netos, representando os seus pais, sucederem aos avós, serão obrigados a trazer à colação, ainda que não o hajam herdado, o que os pais teriam de conferir.
Vem representar, vai receber o que àquele pré-morto, indigno ou deserdado caberia? Então, vai ter de trazer à colação o bem que o outro teria de trazer.
"...ainda que não o hajam herdado": sim, porque o pai pode ter herdado e já ter vendido aquele bem e torrado o dinheiro. Assim sendo, ainda que não o hajam herdado, eles estão obrigados a trazer à colação os bens que os pais teriam de conferir se estivessem concorrendo à sucessão; ou seja, se não fossem pré-mortos, se não fossem indignos, deserdados ou ausentes.
Art. 2010. Outro caso de dispensa de colação.
Não virão à colação os gastos ordinários do ascendente com descendente, enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval, assim como as despesas de casamento, ou as feitas no interesse de sua defesa em processo-crime.
A lei, no Código anterior, falava assim: "...livramento em processo-crime, de que tenha sido absolvido". Agora não importa mais se ele foi absolvido ou não.
Você gasta o que for preciso para defender um filho, não gasta? Então, a lei está dizendo que essas despesas (educação, casamento, enxoval, enfermidade) não precisam vir à colação.
Art. 2011.Também não estão sujeitas à colação as doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente também não estão sujeitas à colação.
Doações remuneratórias significam serviços prestados. Não precisam vir à colação porque o sujeito trabalhou para conseguir aquele dinheiro. Mais do que uma doação, foi uma contraprestação.
Art. 2012. Sendo feita a doação por ambos os cônjuges , no inventário de cada um se conferirá por metade.
O que isso significa? Que, depois que uma pessoa morre, não se confunde o patrimônio dessa pessoa com o patrimônio que existia quando havia sociedade conjugal.
Marido e mulher, casados na comunhão universal: o patrimônio deles se resume a um imóvel residencial. Eles fazem doação em vida do seu patrimônio para os filhos. Eles podem fazê-lo em momentos separados, em dois testamentos distintos; ou podem fazê-lo conjuntamente, não importa. Os dois doam aquela casa para os seus três filhos. Ora, morreu um deles. Esses três, nós já vimos estão obrigados à colação, a trazer esse bem à conferência nos autos do inventário. Quando o pai morrer, eles trarão a casa herdada à colação. Não, eles trarão a parte do pai na casa, 50% dela, à colação. Quando a mãe vier a falecer, no inventário dela, a parte dela (a outra metade) terá de ser conferida. Por que? Porque tem que se conferir aquilo que aquela pessoa doou, e aquela pessoa não pode doar nada que ela não tem. Doou a casa? Não, não doou a casa, doou apenas a metade da casa que lhe pertencia. Por isso que tem que ser conferido nos dois inventários.
Segunda parte:
Os princípios da partilha vocês já sabem: igualdade e comodidade.
Art. 2013. O herdeiro pode sempre requerer a partilha, ainda que o testador o proíba, cabendo igual faculdade aos seus cessionários e credores.
Já vimos isso, que é direito também de quem manteve cessão de direitos hereditários ou de quem é credor do herdeiro.
O art. 2014 é um artigo novo no Código que mostra que pode o testador indicar os bens e valores que devem compor os quinhões hereditários, deliberando ele próprio a partilha, que prevalecerá , salvo se o valor dos bens não corresponder às quotas estabelecidas.
O testador pode fazer partilha em vida? A lei expressamente já dizia que o testador pode indicar que bens deve compor o quinhão de cada herdeiro.
Só não vai caber essa deliberação feita por ele quando os bens que ele pretende componham as quotas hereditárias não caibam dentro da quota de cada um.
Nos dois artigos seguintes veremos em que hipóteses uma partilha pode ser amigável, ou quando ela será judicial.
O art. 2015, cuida da partilha amigável.
A partilha amigável precisa que todos os herdeiros estejam de acordo e que todos sejam plenamente capazes, pois se houver algum incapaz, a partilha não pode ser amigável.
Assim, o art. 2015 mostra que se todos os herdeiros forem capazes eles poderão fazer partilha amigável. E eu acrescento: e estiverem concordes, de acordo, pois se eles não estiverem de acordo não sai essa partilha amigável.
E qual é a forma dessa partilha amigável? A lei diz que pode ser por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular homologado em juízo.
O art. 2016 mostra em que hipóteses a partilha será judicial. Se não houver acordo entre os herdeiros ou, se pelo menos um dos herdeiros for incapaz, a partilha não poderá ser amigável, terá de ser judicial.
O princípio da igualdade a respeito do qual lhes falei aparece no art. 2017.
No partilhar os bens, observar-se-á, quanto ao seu valor, natureza e qualidade, a maior igualdade possível.
O art. 2018 mais uma vez mostra que não se pode prejudicar a legítima dos herdeiros necessários. É lógico que ao fazer essa partilha amigável, que pode ser feita até pelo testador, por ato inter vivos, seja por escritura pública; ou ele pode fazer a partilha em vida, já doando para cada filho o que ele quer que fique com os filhos.
O art. 2018 diz que essa partilha feita em vida é válida, seja por doação, ou por testamento, desde que ele, doador ou testador, não prejudique legítima de nenhum herdeiro necessário.
Se prejudicar essa partilha é invalida e qualquer herdeiro pode requerer a sua invalidação.
Nós vamos ver no último capítulo as possibilidades da anulação da partilha.
As vezes não cabe na meação do cônjuge sobrevivente ou no quinhão de um só herdeiro determinado bem. Quando não comportar essa divisão cômoda, diz o art. 2019: serão vendidos judicialmente, partilhando-se o valor apurado, a não ser que haja acordo para serem adjudicados a todos.
Numa hipótese em que haja três herdeiros para um imóvel, como faremos? Ou vende e divide o preço, ou faz um acordo: um deles fica com o imóvel e paga aos outros a parte que cabe a cada um.
Então, a não que haja acordo para serem adjudicados a todos, ou, por acordo, a qualquer um deles.
Não se fará essa venda judicial quando eles acordam que um deles fique com o bem e pague aos outros o valor a que cada um tem direito. É a regra do parágrafo primeiro:
1 Não se fará a venda judicial se o cônjuge sobrevivente ou um ou mais herdeiros requererem lhes seja adjudicado o bem, repondo aos outros, em dinheiro, a diferença, após avaliação atualizada.
As vezes, mais de um herdeiro quer ficar com o bem que é indivisível. Entre os hereiros vigora, na verdade, um condomínio. O direito de preferência é de todos. Assim sendo, o parágrafo segundo vai mostrar que se a adjudicação for requerida por mais de um herdeiro, observar-se-á o processo de licitação. Aí valerá quer der mais.
Art. 2020. Os herdeiros em posse dos bens da herança, o cônjuge sobrevivente e o inventariante são obrigados a trazer ao acervo os frutos que perceberem, desde a abertura da sucessão; têm direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fizeram, respondem pelo dano a que, por dolo ou culpa, deram causa.
Ora, trazer frutos significa dar a cada um o que é seu, porque fruto entra na classe de acessório, e o acessório segue o principal, nós já vimos isso; conseqüentemente, trazer os frutos, isto é, dar a cada o que é seu, significa impedir violação ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.
O mesmo princípio da vedação ao enriquecimento sem causa recomenda que cada um pague ao outro aquilo que deve. Por isso a segunda parte do artigo diz que estes herdeiros, cônjuge ou inventariante têm direito à reembolso das despesas necessárias e úteis que fizeram, pois, como o Direito veda o enriquecimento sem causa, não pode permitir que os herdeiros se beneficiem do patrimônio de alguém que tirou do seu para custear as despesas necessárias e úteis a essa herança.
E na terceira parte do art. 2020, a regra geral da responsabilidade civil - também respondem pelo dano a que por dolo ou culpa derem causa. É a regra geral da responsabilidade subjetiva.
Então, nesse art. 2020, temos três partes importantes: a primeira, que determina que os frutos sejam trazidos ao acervo; a segunda que manda pagar aquilo que qualquer herdeiro, inventariante ou cônjuge dispendeu em despesas necessárias e úteis; e a terceira parte, trazendo a responsabilidade civil subjetiva, de quem por dolo ou culpa der causa a algum prejuízo.
Art. 2021. Nós estamos estudando a partilha, e não há sentido paralisar o inventário porque um determinado bem não pode vir ao acervo hereditário, ou a liquidação dele é morosa, enfim, diz o art. 2021, que devemos deixar esse bem para uma sobre partilha.
Quando parte da herança consistir em bens remotos do lugar do inventário, litigiosos, ou de liquidação morosa ou difícil, poderá proceder-se, no prazo legal, à partilha dos outros, reservando-se aqueles para uma ou mais sobrepartilhas , sob a guarda e a administração do mesmo ou diverso inventariante, e consentimento da maioria dos herdeiros.
Largue o bem para lá e faça a sobrepartilha depois.
Eu agora estava com um inventário amarrado, que já veio para mim amarrado, levou anos em curso aí, até que a cliente pediu para substabelecer para mim. Por que o inventário estava amarrado? Os bens quase todos estão localizados aqui, entre Rio e Niterói. Porém, há um bem, de grande valor econômico, tombado pelo patrimônio histórico, no centro de São Paulo. Só que como muita gente no meio do caminho foi morrendo, esse bem hoje pertence a vários herdeiros, inclusive à minha cliente, que deve ter, assim, 1/16 do imóvel. E se depender desse bem para eu terminar o inventário eu não vou terminar nunca, porque jamais sairá uma certidão positiva sobre esse bem, que deve tudo (IPTU, água etc.). E são muitos os herdeiros e a maior parte não tem como ratear para pagar. O que é melhor fazer em relação a um bem como esse? Já estava nas primeiras declarações, eu fiz o levantamento da dívida, inseri nos autos do inventário e pedi para excluir da declaração de bens para uma futura sobrepartilha, tendo em vista que o bem está amarrado desse jeito.
Então, casos como esse não podem evitar que se termine o inventário. Esse não vai terminar nunca se eu for esperar que ele se regularize.
- Mas você o inseriu nos...
- Eu não, um outro advogado o fez. Eu não o teria inserido. Eu percebendo a sua situação, já o teria deixado de fora. Como o outro advogado inseriu, eu tive de justificar o pedido de exclusão dele, pois teria sido mais fácil se já o tivesse deixado de fora. Ainda mais nesse caso em que a minha cliente é herdeira única, não havia ninguém para reclamar.
- Agora, eu perguntaria: vamos supor que você já tenha resolvido o inventário. Aí vem a morrer. Você deixou de fora esse bem e veio a falecer e aquilo está sem solução...
- Não tem nenhum problema, meus herdeiros vão ter de fazer a sobrepartilha.
Vejam que coisa interessante. Vocês já abriram o inventário de três defuntos juntos?
- Eu já fiz de dois, mas de três...
Eu nunca tinha feito isso na minha vida. Vai dar certo. Normalmente não se gosta de processar porque o patrimônio não é o mesmo. Mas nesse caso era. Um casal tinha uma filha única, e quando eles morreram a única casa que tinham ficou para essa filha única. Se não me engano, tinha sido feito o inventário do pai, mas ficou faltando o da mãe. Com certeza, o inventário de um dos genitores dela já tinha sido feito. A meação de alguém já estava inventariada. Essa filha única, entretanto, nessa época já era casada em comunhão universal. O marido dela morreu primeiro, e depois veio ela a falecer. Este casal morreu, deixando cinco filhos. Mas faltava fazer a meação do outro genitor para ela, para depois, com a morte do marido dela, inventariar a meação dele, para depois com a morte dela, inventariar a meação dela.
Os cinco filhos extremamente pobres não conseguiam legalizar esse bem nunca. Aí me pediram para socorrê-los, e eu pensei: vou fazer de graça três inventários? Não, vou fazer um só. Tudo bem que eu tenha de levantar as certidões, mas com três!!! O juiz indeferiu, eu justifiquei, e está lá processando. O bem é o mesmo, que pertenceu a duas pessoas, com a morte de uma delas, foi transferido para a filha; com a morte da outra, ficou integralmente para a filha. Esta era casada em comunhão universal de bens, então, esse imóvel pertenceu também ao marido dela. Quando o marido dela morreu, deixando os mesmos cinco filhos, estes não tiveram como inventariar essa meação. Depois morreu a mãe. Quer dizer esses cinco filhos por inteiro querem inventariar o bem deixado pelos pais, que é o mesmo deixado pelos avós para a mãe deles que se comunicou ao pai. O bem é o mesmo. Briguei, briguei, briguei mas consegui processar. Estou fazendo o inventário de um dos avós, da mãe e do pai desses cinco, para ver se eu consigo legalizar. Agora o processo está parado e tem que ficar porque eles são muito pobrezinhos e devem tudo no imóvel. Então eu pedi parcelamento para que eles possam pagar em 24 meses o IPTU etc. Assim, eles estão pagando aos pouquinhos, o processo está parado, quando terminarem de pagar tudo, eu apresento as quitações fiscais...
- E causa mortis?
- Causa mortis vai ter de ser pago depois, mas por enquanto estão só pondo em dia os débitos fiscais. Mas tem de ser assim, senão, coitadinhos, vai passar quantas gerações e eles não ter isso legalizado? Alguém precisa ajudar. E desses cinco, dois já são casados e têm filhos, daqui há pouco complica ainda mais a situação.
Art. 2022. Também ficam sujeitos a sobrepatilha aqueles bens sonegados e quaisquer outros bens da herança de que se tiver ciência após a partilha.
Os bens sonegados um dia haverão de ser descobertos, e quando o forem eles serão partilhados e, evidentemente, quem incorreu na pena de sonegação perde o direito que lhe cabia sobre aquele bem.
O Capítulo seguinte vai falar da Garantia dos Quinhões Hereditários.
Agora sim, a partilha já julgada, cada herdeiro passa a ter um direito circunscrito ao seu quinhão.
Antes não havia uma universalidade? Cessa essa universalidade quando é feita a partilha.
Se é uma partilha judicial, o juiz julga essa partilha; se é uma partilha amigável, o juiz homologa essa partilha.
Mas, uma vez julgada a partilha, fica o direito de cada um dos herdeiros circunscrito aos bens que compõem o seu quinhão.
E agora só regras do Direito das Obrigações.
Art. 2024. Os co-herdeiros são reciprocamente obrigados a indenizar-se no caso de evicção dos bens aquinhoados.
O que é mesmo evicção? Perda de um bem decretado por sentença judicial.
Bom, um dos herdeiros teve um determinado bem dentro do seu quinhão julgado evicto. Se ele ficar sem esse bem, isso não viola a legítima dele? Então os outros herdeiros vão ter que recompor a legítima.
É a regra do art. 2024, idêntica a do Direito das Obrigações.
Art. 2025, mostra que esse dever de indenizar, no caso de evicção, cessa quando há acordo entre eles. No caso de uma partilha amigável, eles podem prever a hipótese de evicção. Podem assim dispor: "se qualquer um dos herdeiros vier a perder um bem por evicção, os outros não estão obrigados a recompôr. Assim, se houver acordo, tudo bem, o direito é disponível, é patrimonial, nenhum problema que haja acordo.
Então, essa obrigação cessa se houver acordo, assim como se a evicção se der por culpa do evicto ou por fato posterior à partilha. Ninguém tem de responder por culpa do evicto.
Como é que esse evicto vai ser indenizado? O art. 2026 mostra que ele é indenizado na proporção dos co-herdeiros, é indenizado pelos co-herdeiros na proporção da quota destes co-herdeiros.
Agora imaginem o seguinte: quatro herdeiros, um deles é evicto. Tem que haver o que? A indenização dos outros porque não houve acordo. Mas imaginem que um deles esteja insolvente. Os demais não pagam pela quota do insolvente? Os demais - inclusive o evicto - paga pela quota do insolvente. Os outros pagariam pela quota do evicto. É o que diz o art. 2026:
O evicto será indenizado pelos co-herdeiros na proporção de suas quotas hereditárias, mas, se algum deles se achar insolvente , responderão os demais na mesma proporção, pela parte desse, menos a quota que corresponderia ao indenizado.
Por que? Porque o evicto também responde pela insolvência do co-herdeiro.
E, finalmente, eu queria estender esse Capítulo V, que só cuida da Anulação da Partilha.
Desde já, ressalto que o nome foi corrigido, pois no Código revogado esse Capítulo chamava-se Nulidade de Partilha. Mas sob o título nulidade, o legislador só cuidava da anulação. Então, nulidade estava empregado em sentido amplo, porque o artigo cuidava mesmo da anulação da partilha feita por vício ou defeito (erro, dolo, coação).
O art. 2027 contém a mesma regra do art. 1805, do Código revogado. E traz a possibilidade de se anular a partilha por um dos vícios de consentimento ou defeitos do negócio jurídico. O que muda aí, na verdade, é o título.
O que eu queria é ir além disso. Embora o CC só cuide, neste capítulo, da anulação da partilha, uma partilha pode ser anulada, nula ou rescindida.
Qual a diferença?
- A nula não entra sequer no mundo jurídico.
- A não? A nula não entra no mundo jurídico?
- Tudo que é nulo não entra no mundo jurídico, ele não existe, tem de ser refeito...
- Não, você está enganado. Uma partilha inexistente é muito diferente de uma partilha nula. Uma partilha nula existe no mundo jurídico, ela não produz efeitos, mas existe. Ela é inválida, por isso não produz efeitos, mas ela é existente. Lembrem-se dos planos da existência, validade e eficácia. Uma partilha nula é existente, porém, se é inválida ela não passa para o plano seguinte, é ineficaz.
O que é que eu quero? Que vocês avancem, não se limitem às regras da anulação da partilha e olhem o CPC que traz as hipóteses de rescisão e anulação de partilha. Eu perguntaria a vocês: uma partilha judicial pode ser anulada ou ela só pode ser rescindida? E uma partilha amigável? Para responder a essas perguntas vocês tem de ir ao CPC. Vamos lá? Arts. 1029 e 1030.
Art. 1029. A partilha amigável, lavrada em instrumento público, reduzida a termo nos autos do inventário ou constante de escrito particular homologado pelo juiz, pode ser anulada, por dolo, coação, erro essencial ou intervenção de incapaz.
"...pode ser anulada," : então nós estamos no CPC que fala da anulação da partilha nessas hipóteses, de vícios ou defeitos de convencimento. O que é que o CPC está mostrando no art. 1029? Que o que pode ser anulada é a partilha amigável.
Parágrafo único. O direito de propor ação anulatória de partilha amigável prescreve em um (1) ano, contado este prazo:
Este prazo de um ano está também no parágrafo único do art. 2027 do CC/02.
I - no caso de coação, do dia em que ela cessou;
Coação é vício de consentimento.
II - no de erro ou dolo, do dia em que se realizou o ato;
Erro também é vício de consentimento.
III - quanto ao incapaz, do dia em que cessar a incapacidade.
A incapacidade pode ser absoluta ou relativa. Se ela é absoluta, está na Parte Geral do Código Civil, é causa de nulidade, se ela é relativa, é causa de anulabilidade.
O que precisamos observar? Que o CPC está cuidando da anulação da partilha quando esta é amigável.
Agora vamos descobrir quando a partilha é judicial. Caberia requerimento de anulação de partilha quando a partilha é judicial? Ou para a partilha judicial nós temos que pedir a rescisão?
Art. 1030. É rescindível a partilha julgada por sentença:
I - nos casos mencionados no artigo antecedente;
Isso quer dizer que, por vícios de consentimento, se a partilha for judicial eu não posso requerer anulação. Eu só posso requerer rescisão de partilha.
As vezes, temos dúvida: e agora, requeiro a anulação? Não, se a partilha foi judicial tem de requerer a rescisão, mesmo em se tratando de hipótese de erro. Dirão alguns que o erro é um vício de consentimento que causa a anulação do ato, mas nesse caso a lei está mandando fazer a rescisão.
II - se feita com preterição de formalidades legais;
Preterição de formalidades legais, na Parte Geral do CC, seria causa de nulidade. Estão lembrados disso? No CC/16, era o art. 145, no CC/02, art. 166 ( "É nulo o negócio jurídico quando: V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;"). É essa a hipótese. Em geral, nós teríamos uma hipótese de nulidade. Então, nós temos o pedido de rescisão do CPC para casos de anulação, inciso I, e para casos de nulidade no inciso II.
III - se preteriu herdeiro ou incluiu quem não o seja.
Também é caso de rescisão.
Era isso que eu queria mostrar para vocês. Além da anulação de partilha de que cuida o art. 2027, vocês tem de lembrar que há hipótese de nulidade de rescisão de partilha. Porém o CPC vai mostrar em que hipóteses nós podemos requerer a anulação ou a rescisão.
E nós nunca precisamos pedir a nulidade da partilha, por que? Porque casos de nulidade estão previstos no CPC para a hipótese rescisão e de anulação.
A incapacidade, no art. 1029, e no art. 1030, a falta de solenidade exigida por lei para ato.
Então, essas hipóteses de invalidade de maior grau estão previstas no CPC.
Façam apenas a remissão no art. 2027, para vocês olharem os art. 1029 e 1030, do CPC.
Minha gente, milagrosamente nós conseguimos analisar TODAS as disposições legais do Direito de Família e do Direito das Sucessões.
Mas, antes de encerrar, eu queria discutir aquela questão que eu deixei com vocês, do jogo dos sete erros.
Para dar uma grande ajuda eu posso dizer que os dois primeiros parágrafos contam só a historinha. Nos dois últimos vocês encontram os sete erros, principalmente no último.

















Quando Dagoberto faleceu já estavam pré-mortos dois de seus filhos, Aldo e Bill, assim como três de seus netos, Tico e Teca, filhos de Aldo e Luli, filho de Bill.
Sobreviveram a Dogoberto o seu filho Cosme, sua bisneta Úrsula, filha do casamento dos primos entre si Teca e Luli, e sua trineta Rita, de 2 (dois) anos, filha de recente união entre Tico e Úrsula.
Por disposição testamentária Dagoberto havia beneficiado, com a sua integralidade da disponível, seu irmão Dogmar. Porém, Dogmar faleceu 15 (quinze) dias antes de Dogoberto, entendendo os herdeiros legítimos que a disposição testamentária caduca por falta de objeto.
Ao final do processo de arrolamento dos bens deixados pelo de cujus, o juiz fez expedir carta de adjudicação beneficiando os filhos de Dogmar com a disponível e, com a outra metade do espólio, Cosme e Rita, ele por direito próprio e por cabeça, ela por direito de representação e por estirpe, representando Aldo e Bill.

Essa disposição testamentária caducou por falta de que? De sujeito. Encontramos, aqui, o primeiro erro: a disposição testamentária caducou por falta de sujeito, e não de objeto, como pensaram os herdeiros legítimos.
"Ao final do processo de arrolamento..." Outro erro: nunca vai poder sê-lo, porque arrolamento fazemos quando os bens vão ser adjudicados para um único herdeiro. Se temos mais de um herdeiro é formal de partilha; é inventário, e não é carta de adjudicação, é formal de partilha.
Há aqui na história uma personagem que tem dois anos de idade - Rita. Processualmente, vocês aprendem que o inventário é um rito mais demorado do que o arrolamento, que é mais célere. Mas só podemos lançar mão do arrolamento quando todos os herdeiros são maiores capazes e estão de acordo. E quando não preciso de nenhum pedido urgente, pois se eu preciso de um alvará. Os juízes até dão, aqui no Rio; mas o juiz que é mais técnico não dá um alvará nos autos do arrolamento. Em Niterói nenhum dá, porque é incompatível com o rito. Aqueles pedidos de alvará que fazemos para levantar devolução de imposto de renda etc.
- .......................
- Mas eles estão certos porque eles são mais técnicos. Atrapalha a vida da gente, porque o arrolamento era para ser um negócio muito rápido e acaba não sendo.
Bem, continuando, não poderia ser arrolamento porque a Rita tem dois anos, como ela é incapaz tem de ser feito na forma de inventário.
"...o juiz fez expedir carta de adjudicação..." Também não pode ser carta de adjudicação, porque se tem mais de um herdeiro o que vai ser feito é formal de partilha.
Eu estou afirmando que tem mais de um herdeiro, mas pelo visto vocês não estão entendendo não?
Eu vou fazer a mesma pergunta de sempre: olho para a vocação hereditária, vejo lá no inciso I, descendentes, e pergunto o que mesmo?
- Há descendentes de primeiro grau?
- Se há eu não posso mais chamar grau nenhum, a sucessão parou aqui.
Em relação aos pré-mortos eu tenho que fazer uma outra pergunta, qual é? Há quem os represente?
- Há.
- Se há herdeiro por direito próprio e, em relação aos pré-mortos, há quem os represente, eu sei que não vai ser carta de adjudicação. Porque carta de ajudicação seria um documento para entregar a um único herdeiro o patrimônio do de cujus. Mas eu tenho um descendente de primeiro grau e, em relação aos pré-mortos, tenho quem os represente. Quem?
- Úrsula.
- Ah é? Olhem o erro de vocês. Prestem atenção: o direito de representação me faz ir buscar o descendente mais próximo para representar. Quem representa Bill? Úrsula, porque, Úrsula é mais próxima do que Rita. Úrsula é descendente de segundo grau e Rita, de terceiro grau.
E em relação a Aldo, quem o representa?
- Rita.
- Vocês estão dizendo que é Rita. Rita é descendente em que grau?
- Segundo.
- Segundo. Aldo tem outro descendente, quem é?
- Úrsula.
- É descendente em que grau?
- Segundo.
- Então, vocês estão dizendo que ele tem dois descendentes em segundo grau. Por que estão dando direito só para a Rita?
- (Risos).
- Porque pelo desenho vocês acharam que estava um grau abaixo. O tamanho da reta que liga Tico à Rita os confundiu.
- Ela não está representando Bill?
- Quem é que representa Bill? Úrsula sozinha, porque ela é mais próxima do Rita. Mas em relação a Aldo, quem o representa? Aldo tem dois descendentes no mesmo grau, o segundo grau: Úrsula e Rita são descendentes de Aldo em que grau? Segundo grau.


Cosme recebe 1/3 por direito próprio e por cabeça.
Bill está pré-morto, quem vem representá-lo? Úrsula o representa. Nessa condição, receberá também 1/3 por direito de representação e por estirpe.
E quem é que representa Aldo? Aquele 1/3 que caberia a Aldo, por direito de representação, vai ser dividido entre Úrsula e Rita.
Agora temos condições de analisar o resto do problema.
Vou ler o último parágrafo por inteiro de novo, dessa vez sem os erros
Ao final do processo de inventário dos bens deixados pelo de cujus, o juiz fez expedir formal de partilha beneficiando os herdeiros com a disponível, uma vez que não poderiam os filhos de Dogmar serem beneficiados com essa disponível, visto que a disposição testamentária caducou por falta de sujeito. Assim sendo, esses bens voltaram para o monte hereditário, para a legítima em benefício dos herdeiros. E com a integralidade do patrimônio (ou seja, legítima + disponível, porque caducou a disposição testamentária), Cosme, por direito próprio e por cabeça, e Úrsula e Rita, por direito de representação e por estirpe - Úrsula representando Bill, Úrsula e Rita representando Aldo.
- Super fácil.
- Tranqüilo.
- E é fácil, é só raciocinar. É que pegamos uma questão assim mais complicada e temos uma tendência a não querer raciocinar.
- ......
- Por isso que eu ensinei a vocês a fazerem o gráfico, sabem por que? Porque se vocês fizerem o gráfico não errarão. Vocês podem dar uma vacilada, mas se contar o grau de parentesco não errarão nunca uma questão do Direito das Sucessões.
Bom, desculpem ter deixado vocês agora com esse nó na cabeça, mas eu sei que isso vocês vão desvendar porque é simples, vocês aprenderam isso aqui comigo.
Mas, antes de encerrar, eu queria agradecer demais a paciência. Eu sei que massacrei vocês com umas aulas corridas, mas não tinha jeito de vermos dois programas imensos de Família e Sucessões, sem que fossem ministradas aulas cansativas e corridas.
Mas pelo menos eu saio com a sensação de missão cumprida, porque embora eu tenha esgotado vocês, saio tranqüila de que um bom caldo vocês levam do Direito das Sucessões e do Direito de Família. Se precisarem de mim para alguma coisa, estou à disposição.
Obrigada mais uma vez.
- Nós é que agradecemos!

AULA DE DIREITO DAS SUCESSÕES - 24.08.2004

QUESTÕES PRÁTICAS SOBRE SUCESSÃO LEGÍTIMA
Questão n 8. João, viúvo de Maria, com quem era casado pelo regime da separação de bens, pretende se habilitar como seu único herdeiro tendo em vista que a finada não deixou ascendentes e descendentes. Os irmãos de Maria se opõem alegando que João não possui tal direito. Como advogado de João oriente-o (Exame OAB, 12/95).
Vocês observem que essa questão é do concurso de 1995, estava em vigor a lei velha. Vamos resolver essa questão com esse óbito se dando tanto na vigência da lei velha quanto na vigência da lei nova.
Primeiro, vamos resolver essa questão à luz da lei revogada, e o examinador queria a solução dessa questão de acordo com a lei vigente ao tempo desse concurso.
Segundo o Código Civil de 1916, como é que vocês orientariam o João?
Não tem nem que pensar: qualquer questão de sucessão legítima temos de olharv a ordem de vocação hereditária.
Qual era a ordem de vocação hereditária ao tempo da lei revogada?
Descendentes e ascendentes eram os únicos herdeiros necessários ao tempo da lei velha.
E depois?
Cônjuge sobrevivente vem antes dos colaterais. Estes eram herdeiros facultativos.
Agora, releeiam a questão: o cônjuge sobrevivente se habilita como herdeiro e os irmãos também se habilitam. Aqui, quem é que tem direito: cônjuge sobrevivente ou colateral? Quem é que vem antes na ordem de vocação hererditária? Não tem que ter dúvida numa questão como essa: cônjuge, é claro.
Assim, João é o terceiro na ordem de vocação hereditária, pois cônjuge sobrevivente é a terceira classe a ser chamada a suceder. A lei revogada, na falta de descendentes e ascendentes, chamava o cônjuge sobrevivente para arrecadar a integralidade do acervo. Isso estava no art. 1603, III c/c art. 1611, caput.
O art. 1611, caput, dizia:
À falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal.
Então, fundamental nessa resposta é o art. 1611, mostrar que os colaterais não possuem direitos sobre esse acervo hereditário que seria integralmente entregue ao cônjuge sobrevivente.
E como é que vocês responderiam essa mesma questão se caísse hoje num concurso? Modificaria alguma coisa? Em termos práticos de resultado, não, mas há uma mudança fundamental que vocês precisam perceber. Irmãos que hoje são herdeiros facultativos estão se achando nos mesmos direitos de quem hoje na lei é herdeiro necessário. Então, hoje, vocês ainda têm um outro argumento que é o art. 1845, que mostra o cônjuge como herdeiro necessário.
Então, a orientação que vocês estão dando a João é no sentido é de que ele tem direito à integralidade do acervo hereditário deixado pela Maria.
Vamos para a nona questão.
Pedro, viúvo, tendo como único parente um sobrinho bisneto, fez testamento deixando todos os seus bens para a sua empregada, que tinha uma filha. A herdeira instituída morreu, porém, antes do testador. Morto Pedro, aberto o inventário, pergunta-se: a) poderia ele ter disposto de todos os seus bens? b) no caso, herda o sobrinho bisneto ou a filha da empregada? (Exame OAB, 3/97)
Qual é o parentesco de um sobrinho bisneto? Quinto grau. E qual é a linha? Colateral.
Existe parentesco na linha colateral de quinto grau? Nem parente é ao tempo da lei nova.
Ao tempo da lei velha era considerado parente, mas não era chamado a suceder.
Essa questão é de 1997, entào vamos fazer a mesma coisa, vamos analisá-la ao tempo da lei velha.
Pedro podia fazer o testamento da integralidade do seu patrimônio? Podia, porque o sobrinho bisneto era, ao tempo da lei velha, parente, sim, mas como colateral era herdeiro facultativo, podia não ser contemplado em testamento. A pessoa só não podia na lei velha e não pode na lei atual testar a integralidade do acervo quando tem herdeiros necessários. Sobrinho não é e nem nunca foi herdeiro necessário, sempre foi facultativo. Assim sendo, Pedro podia ter disposto de todos os seus bens? Sim, podia porque não tinha herdeiro necessário.
E com que artigo fundamentaríamos essa primeira parte? Vejam o art. 1789. É só usá-lo a contrario sensu. O art. 1789 da lei nova é idêntico ao art. 1576 da lei velha. A contrario sensu o que esse artigo diz para vocês? A resposta da letra a, que não havendo herdeiros necessários ele pode dispor da integralidade. A contrario sensu essa é a interpretação. Assim, a resposta para a letra a, ao tempo do concurso (1997) se fundamentaria com o art. 1576, do CC/16; Hoje, utilizaríamos o art. 1789.
Então, Pedro, que só tinha um sobrinho bisneto, fez testamento da integralidade e deixou todo o seu patrimônio para a sua empregada, que tinha uma filha. A herdeira instituída, a empregada, morreu, porém, antes do testador. Vocês não precisam nem saber sucessão testamentária para concluir, porque se fazemos um testamento e o beneficiário morre antes de nós o que acontece com essa disposição testamentária? Caduca, por falta de sujeito. Não precisa-se saber Direito das Sucessões para concluir isso.
E para responder a letra B, no caso quem herda? Vejam a casca de banana que o examinador coloca. Vamos responder a letra B dessa questão, à luz da lei revogada: no caso, herda o sobrinho bisneto ou a filha da empregada? Uma outra?
- Nenhum dos dois.
- Por que não? O sobrinho bisneto não herda porque ele não é o colateral sucessível, está acima do quarto grau. Embora ao tempo da vigência do CC/16 fosse parente, não era sucessível. No Código vigente, nem parente mais é, jamais seria chamado à sucessão. Essa resposta fundamenta-se, no CC/16, art. 1612; no CC/02, art. 1839, que diz: "se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau". Esse artigo mostra porque o sobrinho neto não pode herdar.
E a filha da empregada, por que não herda? Porque se a empregada morreu antes do testador caducou essa disposição testamentária. Para a filha da empregada herdar o testador teria que ter morrido antes da mãe dela, por que, aí sim, o acervo hereditário passaria para a empregada e desta, após o óbito, passaria para a sua filha.
Portanto, a filha da empregada também não pode herdar porque a mãe falaecu sem ter recebido essa herança; conseqüentemente, não havia essa herança no patrimônio da mãe. Se nós adentrarmos a sucessão testamentária vamos encontrar no art. 1939, V. Este art. só contempla a hipótese do legatário falecer antes do testador. O nosso caso é de herdeira, porque ela foi instituída da integralidade do patrimônio, mas podemos utilizar esse artigo para mostrar que caduca por falta de sujeito a disposição testamentária, a exemplo do art. 1939, V que mostra mesma caducidade em relação ao legatário. Mas ao tempo da lei velha o artigo, com a mesma regra, se encontrava no art. 1708, V.
À propósito, qual a diferença entre herdeiro e legatário?
- O herdeiro tem a posse e o domínio.
- TAmbém há essa diferença, que o herdeiro tem o droit de Saisine e o legatário não tem, só tem o domínio e tem que exercer o direito de pedir. Mas qual é a diferença fundamental entre herança e legado? Herança é integralidade ou quota parte. A empregada foi nomeada como herdeira da integralidade do patrimônio dele, mesmo que o testador tivesse usado a expressão legatário ele na verdade estaria instituindo ela herdeira. Legatário é quem recebe bem individualizado. Então quando você numa disposição testamentária deixa uma casa, um carro, enfim, um bem individualizado para alguém você está instituindo um legado.

Questão 10: Maria, irmã de Márcia e Mônica, teve de seu casamento com Pedro dois filhos, Cláudia e Renata, ambos falecidos em 1995. Cláudio deixou dois filhos, Cesar e Carlos, e Renata deixou três, Roberta, Rômulo e Ronaldo. Em 1997, quando já estava separada judicialmente do seu marido, Maria faleceu deixando um apartamento no Leblon, que havia adquirido em 1997. Seus familiares querem saber a quem toca tal bem e em que proporção? (Exame OAB, 12/97)
A vantagem de olharmos essas questões de concurso é que esbarramos com algumas dificuldades. Nós que somos examinadores, professores às vezes formulamos mal uma questão e não nos damos conta disso. Na hora de responder uma questão os candidatos ou os alunos enfrentam uma certa dificuldade. Nós temos aqui alguns exemplos disso.
Nessa questão, vejam que coisa interessante. Se eu perguntar a vocês: ela adquiriu esse apartamento já estando separada ou não? O problema não diz. O problema diz que ela adquiriu esse apartamento no mesmo ano em que ela se separou; mas se foi antes ou depois nós não somos informados pelo enunciado do problema.
Quando nos deparamos com uma questão como essa é bom determinarmos, antes da nossa resposta, o que estamos presumindo. Ou, então, abrimos um leque para as duas hipóteses.
Não sabemos o que o examinador quer. Assim, é melhor iniciar a resposta dizendo algo como: tendo em vista que o apartamento foi adquirido em 1997, presume-se que após a separação, (e aí vocês dão a solução para essa hipótese); ou então: caso não tenha sido assim, e o imóvel tenha sido adquirido antes da separação (e aí vocês dão a resposta para esta hipótese). Porque aí há uma possibilidade do cônjuge brigar pela meação se é que o regime de bens tem meação.
De qualquer maneira, o que parece que o examinador quis? Raciocinem comigo: embora haja regime de bens antes da separação, como o Direito veda o enriquecimento sem causa, a jurisprudência majoritária é no sentido de que aquele patrimônio adquirido quando você já está separado de fato, não deve se comunicar ao cônjuge, que ainda é cônjuge e tem regime de bens. Então, o que o examinador aqui quis, em verdade, foi que vocês respondessem a questão à luz do que o Direito significa face uma situação como essa. Ou seja, o examinador, muito provavelmente, imaginou a hipótese da aquisição do patrimônio ter ocorrido após a separação. Mas ainda que assim não fosse, como ela já estava separada de fato, a aquisição desse imóvel antes da separação judicial não daria ao cônjuge direito a qualquer meação. Cuidado: por lei, por força do regime de bens ele poderia até ter direito, mas por força da jurisprudência pesada se ele já estava separado de fato permitir que ele participasse desse patrimônio seria violar o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.
Isso é só para que vocês percebam o que quis o examinador.
Mas, às vezes, o examinador pode ter imaginado uma outra coisa; assim é bom cercarmos a resposta de todas as possibilidades.

É lógico que Maria, com suas irmãs, Márcia e Mônica, têm um ascendente comum, que como o problema não fala nele, presumimos que esteja morto.
Os familiares de Maria - seus netos e suas irmãs, Márcia e Mônica - querem saber a quem toca o apartamento no Leblon que ela deixou ao morrer e em que proporção.
Por mais difícil que possa parecer a questão, lembrem-se sempre daquilo que lhes falei: a sucessão legítima é a mesma coisa sempre. Olhem para a ordem de vocação hereditária (tanto da lei velha quanto da lei nova) e perguntem: há descendentes?
- Sim.
- Se há descendentes eu não vou nem olhar o resto da ordem de vocação hereditária, pois a sucessão pára aqui, na linha reta dos descendentes.'
E aí qual a pergunta que se segue? Eu estou dentro da classe descendente: há descendente de primeiro grau?
- Não.
- Se a resposta é não, eu chamo o grau seguinte. Se a resposta houvesse sido sim, eu teria de perguntar com relação aos outros pré-mortos se haveria direito de reprasentação. É essa mecânica que vocês têm de pegar.
Mas como todos estão mortos eu tenho que chamar o grau seguinte: há descendentes de segundo grau? Sim; portanto, pára aqui a sucessão, a vez é deles.
Quantos são? Cinco.
Quando está na vez o direito não é próprio e não se divide por cabeça? Então, caberá a cada um 1/5. Não há coisa mais fácil do que isso, desde que vocês peguem esse raciocínio. Olhem para a ordem de vocação hereditária e façam sempre as mesmas perguntas. Não adianta variar, porque isso é uma mesmice. Para não errar nunca procedam sempre da mesma forma.
- Professora, sobre o que a senhor falou anteriormente quando um casal se separa de fato e ele morre e deixa um bem. A senhora falou que a jurisprudência...
- Observe o que acontece. Quando as pessoas são separadas de fato ainda há casamento. Quando há casamento, nós estudamos isso no Direito de Família, há ainda a sociedade conjugal e o vínculo. Nessa sociedade eles não passam a ser sócios de um patrimônio comum? Então, o patrimônio é de ambos, pois ainda há uma sociedade regendo; se um deles adquire algum bem, tecnicamente ele entra nesse regime. Isso é o que a lei determina.
Mas, observe, não seria injusto que, você estando separada de fato já há anos (e hoje o Direito permite a separação de fato para que você conte o tempo do divórcio direto), adquira com o seu sacrifício um patrimônio, e o seu cônjuge leve metade por força do regime de bens? O Direito não é comprometido com a justiça? Um dos valores que o Direito protege através dos seus princípios não é exatamente a justiça? Então, para não utilizar a norma jurídica que determina a sociedade e a comunicabilidade desses bens, a jurisprudência interpreta a norma jurídica de acordo com os princípis constitucionais. Alguns poderiam argumentar, que estaria a jurisprudência assim amenizando o rigor da lei; mas, não é o que ocorre: é que a lei abstrata é geral, ela não está imaginando a situação que nós estamos comentando agora, ela não está imaginando a situação de uma separação de fato, ela está imaginando uma situação de duas pessoas que vivam juntas, têm um patrimônio comum e onde tudo se comunica. Não há nenhum artigo na lei que diga que estiver separado de fato tem que ver o tempo de separação para ver se o bem se comunica ou não se comunica. Você acabou de se separar de fato, adquiriu um bem, o dinheiro usado na compra foi ganho quando ainda existia aquela sociedade, então, é justo que esse bem se comunique. É preciso, pois, olhar cada caso. Por isso que o Direito contemporâneo está preocupado com o caso concreto, para analisar os princípios jurídicos no caso concreto. A lei abstrata vai nos dizer que enquanto há sociedade conjugal tudo se comunica - claro, num regime de bens que permita essa comunicabilidade, porque se o regime for o da separação de bens isso não será possível.
- E na separação de fato?
- Nada se comunica.
- Mesmo sendo de fato?
- Mesmo sendo uma separação de fato, pois se já não se comunicava enquanto viviam juntos, porque haveria de se comunicar depois de separados?
A questão é interpretar quando há alguma comunicação no regime de bens. E quando é que há? Na comunicação universal, na comunhão parcial, com os bens aquiridos onerosamente; e agora temos, vocês sabem, o regime da partcicipação final nos aqüestos, que é um misto dos regimes de separação com comunhão parcial: durante o casamento o regime é o da separação, mas na hora da separação vai ser comunhão parcial. Assim há que se tomar quanto a este último regime porque se na hora de se separar você tem aquele patrimônio ele vai se comunicar com o daquele de quem você está se separando.
A solução, pois, dessa questão n 10, é que esse apartamento adquirido no Leblon, se adquirido após a separação judicial toca integralmente aos netos, por direito próprio e por cabeça, cabendo 1/5 para cada um.
Se, eventualmente, esse bem tiver sido adquirido durante o casamento e se comunicar com o patrimônio do marido nós estaremos imaginando esse 1/5 sobre a meação da mulher. É só vocês mostrarem isso.
Isso não mudaria se a questão viesse ao tempo da lei nova.Não houve alterações no Direito das Sucessões na linha que estamos analisando, a linha reta descendente. A única alteração que houve ocorreu em outra circunstância que não essa do problema: é o cônjuge concorrendo com descendente em algumas hipóteses.
Mas na questão que ora analisamos não tem cônjuge sobrevivente porque ao tempo do falaciemnto dela eles já estavam separados.
Os artigos que fundamentariam essa resposta seriam: na lei velha, o art. 1603, I, c/c art. 1604; na lei nova, art. 1829, I, c/com os arts. 1834 e 1835. Pode-se também usar o art. 1835, que mostra que nesse caso, como eles estão no mesmo grau, eles vão suceder por direito próprio e por cabeça. Porque o art. 1834 diz que eles tem os mesmos direitos, mas é o art. 1835 que vai mostrar que eles sucedem, neste caso, por cabeça, embora não sejam filhos.

Questão n 11: Ao falecer José da Silva , dos cinco filhos que tivera com Maria, dois eram falecidos deixando cada um, dois filhos menores. Dos três sobreviventes, o mais velho, com três filhos, resolveu renunciar à herança paterna. Diante do exposto, considerando a meação conjugal, como se apresentará a partilha do monte? (Exame OAB, 3/98)
Aqui fala-se em filhos menores, mas isso é uma bobagem, pois não importa se é maior ou menor, terão os mesmos direitos, a questão é processual.
Diante do enunciado, deve-se começar a responder assim: do patrimônio comum do casal retira-se a meação do cônjuge sobrevivente para apurar o monte hereditário. Monte hereditário é a parte que o sujeito que morreu deixou, não é o que alguns pensam - "considerando a meação conjugal, como se apresentará a partilha do monte" - não se tira a meação do monte, porque monte já é o que o de cujus deixou; vamos tirar a meação de onde? Do patrimônio do casal, pois eles não são sócios de um patrimônio comum? Então, pega-se esse patrimônio comum e retira deste a meação de quem está vivo porque já era dele, e leva para o Direito das Sucessões a meação de quem morreu. Essa meação de quem morreu chama-se monte hereditário.
Então, já começa a questão assim: do patrimônio do casal retira-se a meação do cônjuge sobrevivente para apurar o monte hereditário.

Quem é que tem direito a esse monte hereditário? Olhem para o gráfico, pois ollhando para o gráfico vocês não vão errar nunca. E façam sempre a mesma pergunta: há descendentes? Há. Aqui eu paro, não vou chamar mais ninguém. Pergunta-se: há descendentes de primeiro grau? Se há eu não vou chamar grau nenhum por direito próprio, eu paro aqui. O direito é próprio de quem está no primeiro grau, e quem é que está no primeiro grau? Os filhos ( A e B).
Mas não existem outras pessoas? Então eu tenho que perguntar se em relação a estas outras pessoas há direito de representação?
- Há.
- Em relação a todas?
- Não.
- Só em relação a quem?
- Aos filhos dos falecidos.
- Não há direito de representação em relação ao renunciante. Num caso como esse eu posso até apagá-lo do gráfico, porque é como se ele e sua estirpe nunca tivessem existido. Por que? Porque se eu parei no primeiro grau eu jamais vou chamar o segundo grau. Assim, os filhos do renunciante jamais virão à sucessão por direito próprio, por isso eu posso tirar o renunciante e toda a sua estirpe.
Mas como eu estou no primeiro grau, e não posso chamar ninguém por direito próprio em segundo grau, eu tenho que olhar, com relação aos outros filhos se há direito de representação. Há ou não?
- Há
- Se há, eu tenho que dividir esse monte em quantas partes?
- Quatro.
Quatro: dois que vão receber por direito próprio, e como a lei dá direito de representação para os descendentes dos dois que faleceram, eu terei de dividir em quatro. Caberá, assim, 1/4 para cada um deles.
Os filhos, A e B, recebem por direito próprio e por cabeça.
E os filhos dos descendentes pré-mortos? Estes recebem por direito de representação e por estirpe. Que fração? Eles vão dividir a quota que caberia à pessoa que eles estão representando: 1/4 dividido por dois é igual a 1/8 para cada um.
Vocês acertariam a fração de 1/4 para cada um? Porque eram cinco, é preciso tirar o renunciante, senão vocês vão dividir em 1/5 para cada um e vai dar "zebra" esse cálculo.
- Eu havia entendido errado, pois eu pensei que ele não concorreria, mas seus descendentes sim.
- Preste atenção, porque você entendeu muito errado, porque renunciar é dizer "não quero". Se eu não quero como é que os meus filhos vão vir a aceitar uma coisa que eu não deixei entrar no meu patrimônio? O que eu disse em relação aos filhos virem à sucessão por direito de representação foi:
no caso que a lei expressamente fala de pré-moriência, herdeiro pré-morto;
casos em que a pena não pode passar da pessoa do condenado - indigno, porque a lei manda tratar o indigno como se morto fosse;
deserdado;
e ausente.
A lei expressamente dá o direito de representação, na primeira hipótese.
A lei expressamente manda tratar o indigno como se morto fosse
A lei expressamente manda tratar o ausente como se morto fosse.
Diante de que a lei se calou? Diante do caso do deserdado. Ora, a deserdação não é uma pena que exclui alguém da sucessão? O que é a indignidade? Também uma pena que exclui alguém da sucessão.
Exclusão da sucessão só pode se dar de duas formas: indignidade ou deserdação. Não são estas, portanto, duas espécies desse gênero exclusão? Eu tenho que tratar a exclusão da mesma forma que eu trato a indignidade? Assim sendo, a jurisprudência estendeu o direito de representação também aos casos de deserdação.
Quanto à renúncia, a lei expressamente diz que o renunciante não pode participar da herança. Se ele não pode, conseqüentemente, ninguém pode representá-lo.
Vou dar dois exemplos diferentes para que vocês vejam quando é que poderão fazer o que fiz aqui: apagar o renunciante e toda a usa estirpe.
Vamos imaginar C renunciando em duas hipóteses diferentes:
Na primeira, o irmão dele é pré-morto; na segunda, o irmão é vivo.
Todos têm filhos.
Os gráficos são iguais, com uma única diferença: é que no primeiro gráfico o irmão é pré-morto, e no segundo, o irmão é vivo.
Vamos, primeiro, à hipótese em que o irmão é vivo.

Quando olhamos para uma sucessão como essa a pergunta que devemos fazer é para quem vai o patrimônio do de cujus? Procederemos sempre da mesma maneira: olharemos para a ordem de vocação hereditária e pergunto: há descendentes? Há. Havendo, eu vou, grau por grau, perguntando: há descendentes de primeiro grau? Há. A sucessão para aqui, no primeiro grau.
Se a sucessão parou aqui no primeiro grau, eu tenho que perguntar com relação a esse outro se a lei dá o direito de representação para ele. Dá? Não. Assim sendo, a integralidade do acervo hereditário do de cujus vai para B, o irmão vivo, porque a sucessão parou no primeiro grau da linha dos descendentes porque a resposta foi sim para a pergunta se havia descendentes nesse grau.
Mas querem ver a diferença?
Vamos agora para a hipótese em que o irmão do renunciante é pré-morto.
Olhando a mesma ordem de vocação hereditária, eu vou perguntar: há descendentes de primeiro grau? A resposta é não, portanto, eu terei de chamar o grau seguinte. Pergunto, então, há descendentes de segundo grau? Há, e são quatro. Com está na vez deles serem chamados eles recebem por direito próprio: 1/4 para cada um.
No primeiro exemplo B não recebeu integralmente o acervo herediário? Por que? Porque parou no primeiro grau, e quando isto acontece e não se vai chamar qualquer outro grau, eu posso apagar o renunciante e toda a sua estirpe porque é como se ele nunca tivesse existido. Mas eu só posso apagar o renunciante numa hipótese como esta, que foi exatamente a da questão n 11.
Quando é que eu não posso apagar a estirpe do renunciante? Quando eu não parei no grau do renunciante, quando eu paro no grau seguinte. Na segunda hipótese, eu parei no grau do renunciante, porque quando fizemos a pergunta: há descendentes de primeiro grau, qual foi a resposta? Sim, portanto, nós jamais chamaríamos os de segundo grau por direito próprio. Assim, pudemos apagar o renunciante e toda a estirpe dele, porque a sua estirpe não tem direito de representação.
Essa é uma das questões mais difícieis porque envolve a renúncia no Direito das Sucessões.
Vamos ao capítulo da renúncia. Nós já trabalhamos isso, mas é na prática que vamos corrigir as interpretações equivocadas.
Vocês tem um capítulo inteiro que cuida da aceitação e da renúncia e que começa no art. 1804 do NCC.
O art. 1811 do NCC, repete o Código revogado, em seu art. 1588, e expressamente diz:
Ninguém pode suceder, representando herdeiro renunciante.
Precisava a lei dizer isso nesse artigo? Não, porque o direito de representação não deu direito de representação para filho de renunciante. Mas mesmo assim o legislador traz a norma do art. 1811, que já existia no CC/16.
É devido a essa norma, contida do art. 1811, que eu pude apagar o renunciante e toda a sua estirpe: porque não há representação. Eu pude apagar na hipótese da questão n 11 e na hipótese do irmão vivo, porque a sucessão parou no grau do renunciante.
Agora, vamos para a segunda parte do art. 1811:
Se, porém, ele for o único legítimo da sua classe, ou se todos os outros da mesma classe renunciarem a herança, poderão os filhos vir à sucessão, por direito próprio, e por cabeça.
É nessa segunda parte do artigo que se encaixa a segunda hipótese, em que o irmão é pré-morto. Se o renunciante for o único herdeiro legítimo de sua classe, quando eu perguntar: há descendentes de primeiro grau? A resposta será não porque ele terá renunciado e eu terei, então, de chamar o grau seguinte. Quando herdeiro renunciante é o único de sua classe; ou se todos os da mesma classe do renunciante herdeiro renunciarem também - o que diz a lei? - poderão os filhos, desse(s) renunciante(s), virem à sucessão por direito próprio e por cabeça.
Se, nessa segunda hipótese, ao invés do irmão ser pré-morto fosse também renunciante os filhos não estariam vindo à sucessão por cabeça?
- A renúncia aí se iguala ao pré-morto?
- Nunca a renúncia se iguala ao pré-morto. Se a renúncia se igualasse ao pré-morto você daria a ela o direito de representação.
- Pensei que tivesse entendido...
- Vamos lá, eu quero que vocês entendam. A lei não manda tratar o renunciante como se pré-morto fosse, pois, do contrário, daria a ele o direito de representação. Ninguém pode representar renunciante. Porque se o renunciante, em outras palavras, está dizendo "não quero", o bem não entra no patrimônio dele. Se não entra no patrimônio dele como é que os filhos vão vir pegar a fatia que não está no patrimônio dele? Não parece um contra-senso? A lei só deu direito de representação nessas hipóteses.
Assim, se eu tenho um renunciante com dois filhos, e a lei não deu para os filhos do renunciante o direito de representação, quando eu fizer a pergunta: há descendentes de primeiro grau? A resposta é sim, a sucessão, então, para aqui. Eu não posso chamar ninguém do segundo grau por direito próprio. Eu posso perguntar em relação a quem está em primeiro grau se alguém pode representar essa pessoa que está no primeiro grau. Olhem para o gráfico da segunda hipótese.


Sabendo que não se pode chamar nenhum grau diferente, pergunto: pode alguém representar essa pessoa que está no primeiro grau? A lei não deu ao renunciante direito de representação. Assim sendo, a integralidade do patrimônio do de cujus, o monte hereditário vai para o filho vivo. É por isso - como ninguém pode representar o renunciante - que eu posso, nessa hipótese, apagar o renunciante e toda a sua estirpe.
Mas, na segunda hipótese, onde o irmão é pré-morto, eu não posso apagar o renunciante e toda a sua estirpe, porque quando eu faço a pergunta: há descendentes de primeiro grau? Não há, então eu já vou chamar o grau seguinte. Assim sendo, eu preciso que eles estejam aqui, mas se eu os apagar eles, obviamente, não vão estar aqui, o que me levará a uma solução errada para o problema, porque quando eu olhar o gráfico eu vou achar que só tem esse herdeiro
e que esses dois vão representá-lo, mas eles não podem fazê-lo quando não tem ninguém no grau.
Vocês querem ver outro erro muito comum: o de cujus morre, deixando três filhos, todos eles pré-mortos (ou um pré-morto, um renunciante, não importa).

Não tem ninguém vivo no primeiro grau.
Como é que vocês defeririam essa sucessão? 1/6 para cada um, por direito próprio e por cabeça.
Por que? Porque quando vocês fazem a pergunta há descendentes de primeiro grau, a resposta é não, vocês passam para o grau seguinte.
Se não soubessem a trajetória que eu ensinei, o que vocês fariam?

Vocês, ao invés de dar um 1/6 para cada um, dariam o direito de representação e o 1/3 que caberia ao primeiro filho, diviidiriam entre os dois filhos deste, o que daria 1/6 para cada um deles; dariam 1/3 para o filho do segundo pré-morto, e dividiriam o 1/3 que caberia ao terceiro filho entre os seus três filhos, que daria 1/9 para cada um. Isso é uma coisa de doido, porque o aluno chega a um raciocínio complicado e, assim, complica o que é simples.
Olhem para esse gráfico: todos não são igualmente netos do de cujus? Se eles estão sendo chamados à sucessão na qualidade de netos eles têm de ter tratamento igual. Caberá 1/6 a cada um, porque não há ninguém no primeiro lugar.
Mas vamos imaginar que um deles esteja vivo? Como é que eu partilho esse monte hereditário?

Quando eu faço a pergunta - que é sempre a mesma e é sempre a há direito primeira pergunta que deve ser feita - há descendentes de primeiro grau? Qual é a resposta? Há; então, a sucessão parou aqui. Quem é que tem direito próprio? O único filho vivo, que receberá 1/3 por direito próprio e por cabeça. Por que 1/3? Porque seria o patrimônio dividido por três se os outros dois fossem vivos.
Em relação aos outros dois filhos, pré-mortos, é que temos de perguntar se há direito de representação e nós sabemos que há: o 1/3 que caberia ao primeiro pré-morto será dividido entre os seus dois filhos; e o 1/3 que caberia ao segundo pré-morto irá para o seu único filho.

Agora, estes últimos estão vindo à sucessão como netos? Não, pois os netos não têm direito de herdar o patrimônio do de cujus. Eles estão vindo à sucessão representando os pais pré-mortos. Alguns diriam que isso seria injusto porque aqueles tres netos não ganharam nada. Mas os que ganharam não o ganharam enquanto netos, eles não estão vindo à sucessão por direito próprio, eles estão vindo representando quem está na vez de receber.
Esse raciocínio não permitirá que vocês errem nenhuma questão. Mas para isso é preciso que vocês façam os exercícios, porque não aprendemos por simbiose.
- Professora, se nesse último caso existisse um cônjuge, seria a meação ...
- No caso de cônjuge você tem de ir para a lei. Olhe o art. 1829, inciso I. Não é sempre que ele participa. Naquelas hipóteses em que ele participa a lei vai dar fração diversa. O art. 1829 diz que há concorrência no inciso I.
Além desse artigo, o 1832 vai mostrar qual é a fração.
Assim, se o cônjuge estiver concorrendo com descendentes é preciso primeiro verificar se o cônjuge que concorre com descendentes é também ascendentes destes. E diz a lei:
Em concorrência com os descendentes (art. 1829, I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.
Então, vamos imaginar, se o de cujus tiver sete filhos. Se fossem só os filhos, seria 1/7 para cada um. Mas a lei chama o cônjuge a suceder (o regime de bens do casamento era a comunhão parcial e o de cujus deixou bens particulares). Como faríamos nesse caso? O cônjuge é também ascendente desses sete filhos. A lei reservou 1/4 para o cônjuge sobrevivente; o que sobrou será dividido entre os sete filhos.
Na hipótese do regime de comunhão parcial só vai haver concorrência se tiver deixado bens particulares. Mas nós estamos usando qualquer hipótese em que haja concorrência e são as hipóteses do inciso I, do art. 1829.
Já na comunhão universal nunca há concorrência. É que vocês esqueceram que o art. 1829 tem salvo se, e nesse salvo se, quer dizer, naquilo que vem expresso não concorre.
Haverá concorrência do cônjuge com os filhos se o regime for parcial, na separação obrigatória e no regime dotal, que é muito raro acontecer, mas pode acontecer.

Essa é a hipótese de que o cônjuge sobrevivente seja ascendentes dos filhos. Mas, e se não for ascendentes dos filhos? Vejam a lacuna da lei que eu já mostrei para vocês. Vamos imaginar que desses sete, o cônjuge sobrevivente só seja ascendente de dois. E agora, qual é a solução? A lei não trouxe a solução para esse caso. A jurisprudência vai ter que criar. E nesta hipótese? A mim parece que o legislador quis proteger este cônjuge que teve com o falecido filhos comuns. Embora a lei não tenha previsto uma situação de ter dois comuns e alguns não comuns, me parece que a jurisprudência pode garantir 1/4 para o cônjuge sobrevivente, mesmo nessa hipótese, diante do que a lei diz na segunda parte do art. 1832: " ...não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com quem concorrer." Dos herdeiros, quais - todos ou alguns? A jurisprudência vai ter que se posicionar ou o legislador vai ter que complementar essa regra. Pode ser que eles complementem exigindo que seja ascendente de todos. Pode ser que eles resolvam interpretar, como eu tenho hoje uma tendência a interpretar. Por que será que o legislador colocou o cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário? Por que será que legislador colocou o cônjuge sobrevivente concorrendo em algumas hipóteses com descendente e em todas as hipóteses com ascendente? Alguém duvida que tenha sido para proteger o cônjuge? Então, se é para proteger o cônjuge será que ele tem que ser ascendente dos sete, ou basta ser de dois? Não sei como é que a jurisprudência vai se posicionar, mas tendo em vista a intenção legislativa de privilegiar o cônjuge é possível que tendo apenas um filho comum seja privilegiado com 1/4.
- .....
Essa a controvérsia que vai se instaurar para preencher a lacuna. Eu acho até sadio que se instaure a controvérsia. Mas quando se pergunta se não estaria havendo violação ao direito de algum filho? Parece-me que não pois o legislador só dá direito iguais aos filhos, e nesse caso esse 1/7 dentro do 1/6 significa direitos iguais. Argumentariam alguns que se estaria beneficiando mais um filho do que outros, o que não procede pois eles estão levando a mesma fração. Está beneficiando mais o cônjuge, mas não é isso que o legislador quis? Parece ser. Agora, como é que a jurisprudência vai se posicionar ainda não sabemos, temos de esperar acontecer.
- Se o legislador tivesse dito que dividiria igual para todos estaria o cônjuge como....
- É igual para todos, salvo se esse cônjuge sobrevivente for também ascendente dos herdeiros. De quantos herdeiros? A lei não diz. Basta um? Provavelmente alguns vão interpretar como sendo de todos, se não for de todos não se aplica esse privilégio de 1/4. Mas nós não sabemos como virá a jurisprudência. Esse é um momento histórico, e nós temos a felicidade de sermos, não apenas espectadores, mas participantes desse processo. Nós advogados é que vamos contribuir, nós advogados é que vamos formar essa tendência jurisprudencial. As coisa vão ainda, nós estamos vivendo a mudança do Código, a mudança da jurisprudência nós vamos criar.
Quando a lei diz assim - salvo se - tudo que você vai ler daí para frente significa o que? Uma exceção. Mas o que significa essa exceção diante da norma do caput? O caput diz: defere-se a sucessão legítima na seguinte ordem. Quando você encontra um "salvo se" significa que nessas hipóteses não se defere a sucessão. Então, tudo que você vai ler a partir daí significa que essas pessoas que têm esse regime de bens não têm direito a nada.
- Mas quando eu perguntei há pouco tempo a você, você me disse que tinha direito à quarta parte. Então, eu entendi errado.
- Você não entendeu errado porque essa quarta parte está expressa no art. 1832. Este artigo está dando a quarta parte para quem e em que hipótese?
- É isso que eu quero saber, se no regime da comunhão parcial "o autor da herança não houver deixado bens particulares". Quer dizer, se ele não deixou bens particulares, então, o cônjuge vai à sucessão?
- Você não entendeu.
- Não estou entendendo.
- Leia o caput do art. 1829.
- "A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte".
- Qual é a ordem? Descendentes, ascendentes, cônjuge e colateral. Quando você lê no inciso I descendentes a lei bota o cônjuge para concorrer com o descendente, não é assim. Qual é o cônjuge que vai concorrer com descendente? O que não é casado sob o regime da comunhão universal, o que não é casado sob o regime da separação obrigatória de bens (legal) e o que não for casado sob o regime da comunhão parcial. E aí, é só isso que você está lendo?
- "se o autor da herança não tiver deixado bens particulares".
- Então, a lei não está deferindo a sucessão legítima para quem é casado na comunhão parcial em que situação? Em que situação que a lei não permite que o cônjuge, casado no regime legal concorra?
- Quando ele deixou bens particulares.
- Ao contrário, quando ele não deixou bens particulares. Você não está conseguindo ver o "salvo se". Eu parei aí, no dia que eu dei essa matéria e falei que era difícil mesmo, mas tem de entender o que a lei está dizendo. O legislador poderia ter sido mais claro: ao invés de trazer o "salvo se", já que ele falou "defere-se" , trazia expressamente em que hipótese vai concorrer. Mas ele usou uma exceção. Tem que saber interpretar isso aí. Então, vamos eliminar o "salvo se" e vamos dizer quando é que vai haver concorrência. O que sobrou, fora essas hipóteses que estão aí?
- Sobrou... eu não sei muito bem quais são os regimes de casamento, não.
- Quem é casado sob o regime da comunhão universal vai ter direito de concorrer com descendentes? Não. Quem é casado no regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, tem direito a concorrer? Não.
- Quem é casado na separação obrigatória é quando a lei diz que não...
- Separação obrigatória é um regime imposto por lei. Nessa hipótese as pessoas não podem escolher o regime de bens. Se elas são casadas num regime imposto por lei, e se um dos cônjuges vier a falecer, o cônjuge sobrevivente vai poder concorrer com os descendentes? Não. Portanto, separação obrigatória ou legal de bens não pode concorrer; comunhão universal não pode concorrer; até aí você entendeu. Você só não entendeu a última, que a comunhão parcial, mas você tem de ligar a comunhão parcial ao patrimônio particular. O que é o patrimônio particular no regime da comunhão parcial? São os bens que você adquiriu antes do casamento ou durante o casamento mas por doação, herança e que não se comunicam. Esse patrimônio constitui o patrimônio particular de quem é casado na comunhão parcial. Para o cônjuge sobrevivente concorrer com descendente à sucessão é preciso que neste regime legal de bens - comunhão parcial - o morto, o falecido tenha patrimônio particular. Eu sei que isso é difícil de ser entendido mesmo. Liguem o "salvo se" ao "defere-se" do caput, que para vocês entenderem que nessas hipóteses elencadas depois do "salvo se" não se defere a sucessão.
Agora, vamos para a última hipótese em que você teve dificuldade: "... se no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares". Então, se ele não tem bens particulares não se defere a sucessão.
Questão n 12: Luís, separado judicialmente, e Benedita, solteira, mantiveram a vida em comum, como se casados fossem, durante dois anos e meio, até o falecimento de Luis. O casal residia em um apartamento de propriedade do falecido. Os pais de Luis, inimigos de Benedita, logo que aberto o inventário, desejam expulsar Benedita do imóvel, tendo tomado as medidas judiciais cabíveis para tanto. Tem Benedita algum direito sobre o imóvel? (Exame OAB, 8/98)
Qual é a data da questão? Agosto de 1998, no auge da controvérsia sobre as leis da união estável. Tinha vindo a lei de 1996 mudando os requisitos da lei de 1994 sobre a união estável. Não sei se vocês se lembram, a lei de 1996 acabou com o prazo de cinco anos da lei de 1994. Então, quando o examinador colocou esses dois anos e meio ele queria saber se essas pessoas podiam constituir união estável sem aqueles cinco anos.
Mas, enfim, Luís era separado judicialmente, portanto, ainda existia vínculo matrimonial, não é isso? Só não existe mais regime de bens, dever de fidelidade, de vida em comum. Existe impedimento para casamento, mas não existe impedimento para constituir união estável, que a lei de 1994 já permitia que pessoas separadas judicialmente constituíssem união estável. Não permitia caracterizar união estável com esses dois anos e meio, mas a lei de 1996 mudou, acabou com o prazo. Assim, tinha-se de analisar cada situação concreta. Podia constituir uma união estável uma relação entre homem e mulher que tivesse durado meses.
Então, até aí, já resolvemos que não havia nenhum impedimento para a união estável.
Veio o falecimento do Luís. O casal residia em um apartamento de propriedade do falecido. A questão diz que o apartamento era de propriedade do falecido, ou seja, era bem que não foi adquirido durante a união estável, conseqüentemente, não pertencia à Benedita. O examinador não quer saber se ela tem algum direito à propriedade desse bem; quer saber se ela tem algum direito sobre o imóvel. A lei de 1994 trouxe o usufruto vidual; a lei de 1996 trouxe o direito real de habitação. Eu quero que vocês respondam essa questão à luz da lei revogada, pois o concurso é de 1998; mas também quero que vocês analisem essa questão à luz da lei vigente, que muda bastante a resposta.
À luz da lei revogada, em 1998, havia uma controvérsia: uma corrente doutrinária entendia que estava ab-rogada a lei de 1994, ou seja, o usufruto vidual não subsistia mais. Assim, para a corrente majoritária, Benedita, embora não tivesse nenhum direito sobre a propriedade do bem, tinha, por força da lei de 1996, direito real de habitação? O que é isso? Direito de morar de graça ali no imóvel, evidentemente, enquanto ela não constituir uma nova união.
E para a corrente minoritária? A corrente minoritária gostava de cumular o direito real de habitação, da lei de 1996, com o direito ao usufruto, da lei de 1994. Tecnicamente, um caos essa interpretação, mas, enfim, era uma corrente que devia, à época, ser respeitada.
E eu pergunto a vocês: se essa questão caísse hoje em qualquer concurso, como é que vocês responderiam? Tem, Benedita, algum direito sobre o imóvel? Quando eu digo, interpretem à luz da lei vigente, é óbvio que o óbito só pode ter acontecido após a vigência dessa lei. Então, pressupondo que ele tenha morrido agora, teria Benedita algum direito?
- Sim.
- Não.
- Vamos para o sim: quem acha que tem algum direito e porque?
- Eu acho que ela tem direito de usufruto.
- Ache isso na lei para justificar a sua resposta.
- Art. 1724 c/c art. 1831.
- É?! Eu acho que você está fazendo um milagre. O art. 1724 é um artigo que cuida da união estável e que diz o que? Que só traz deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos. Não tem nada a ver com isso que você está falando.
- O art. 1725?
- O art. 1725 também só diz qual é o regime de bens na união estável. Também não dá nenhum direito sucessório.
- Então, ela não tem direito a nada?
- O art. 1831?
- O art. 1831 é um artigo que cuida do direito real de habitação de quem?
- Do cônjuge.
- Eu posso estender uma norma jurídica, que o Código traz para cônjuge, para companheiro?
- Não.
- Isso seria violar a Constituição Federal.
- Mas o art. 1725 diz que na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, ...
- E o que é relação patrimonial? Direito de sucessão é relação patrimonial? É?
- Não.
- Professora, o regime da união estável não o da comunhão parcial?
- Se eles não instituiram outro, diante da omissão vigora o regime legal. Comunhão parcial significa comunicam-se os bens adquiridos onerosamente, diz o art. 1725.
- Se adquiriu antes da união estável ela não tem direito.
- Sim, ela não tem direito nenhum, mas eu precisava que eles interpretassem para corrigir a interpretação. Ela não tem direito nenhum sobre esse imóvel. Ela não tem direito de propriedade, porque ela não tem nem meação por força do regime de bens deles, o imóvel foi adquirido antes dessa união estável. Ela não tem usufruto nem direito real de habitação porque o NCC quando regulamentou a união estável, fez desaparecer o usufruto e o direito real de habitação das leis de 1994 e 1996. E por que fez desaparecer? Porque também modificou a situação do cônjuge sobrevivente, tirando deste tudo que lhe era dado antes. Antes cônjuge sobrevivente tinha usufruto e direito real de habitação. Hoje ele só tem direito real de habitação. O companheiro, o convivente tem de ter menos do que tem o cônjuge. Ora, se o cônjuge só tem direito real de habitação se der alguma coisa para o companheiro igualou ao cônjuge. Era o que acontecia e arguíamos a inconstitucionalidade. Na lei revogada companheiro estava com mais direitos, aí todo mundo queria ser companheiro.
Na questão 12 o fato do examinador não dizer qual é o regime de bens significa que não houve pacto entre eles, então, tem que aplicar o legal. Assim, já há uma presunção na questão 12 que se eles não acordaram o outro regime, é o regime legal. Na comunhão parcial de bens, na lei revogada, havia até 1996, só direito ao usufruto. A partir de 1996 surgiu o direito real de habitação, e para a corrente majoritária só havia direito real de habitação, não existia usufruto. Já para a minoritária havia os dois.
Já na vigência do CC/2002 o companheiro ainda pode ser chamado à sucessão? Pode, se não houver descendente nenhum, se tiver ascendente nenhum e eles tiverem adquirido um patrimônio comum. Aí sim, sobre o patrimônio comum, isto é sobre os aqüestos, a lei regula a sucessão do companheiro/companheira em que artigo? Art. 1790, exatamente fora da sucessão legítima, lá nas disposições gerais, para dar mesmo tratamento desigual. Aí sim, pode haver no caso de união estável com aquisição patrimonial a título oneroso, se um dos companheiros vier a falecer, sobre essa massa de bens comuns a lei dá direito sucessório a companheiro, mas dá direito sucessório, não dá direito a usufruto nem direito real de habitação. Ele, o companheiro sobrevivente, virá à sucessão como herdeiro em que hipótese? Inciso I, do art. 1790: se concorrer com filhos comuns, vai dividir igualmente entre todo mundo. Vejam que a lei não privilegiou aí o companheiro como privilegiou o cônjuge. O cônjuge quando concorre com filhos comuns não tem direito garantido a pelo menos 1/4? O companheiro divide por igual.
E se o companheiro concorrer com descendentes que não sejam também seus filhos, são filhos só de quem faleceu? Inciso II, do art. 1790: metade, mas não do patrimônio do de cujus, e sim do que cada filho herdar.
E o inciso III? Não concorrendo com filhos ou descendentes, ou seja, se concorrer com ascendentes ou colateral, caberá 1/3 para o companheiro.
E o inciso IV? Não havendo parentes sucessíveis terá direito à totalidade da herança. Totalidade de que? Totalidade dos aqüestos. E me digam em relação ao patrimônio particular do companheiro falecido? É jacente essa herança. Na hipótese do inciso IV é preciso entender essa totalidade - o inciso está ligado ao caput, e o caput fala só da meação, ou seja, a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro quantos aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Quantos aos bens que eles já possuíam antes o companheiro ou companheira não terá direito nenhum. Isso muda muito o direito anterior.
E outra coisa que eu já falei quando dei Direito de Família para vocês: muito cuidado quando vocês atenderem clientes que vivam união estável, porque às vezes o cliente o procura exatamente querendo resolver um problema que eles enfrentam face a essa modificação da lei. Pensam: tem de virar cônjuge para ter os mesmos direitos; sim, mas se eles se casam eles perdem tudo. É melhor converter a união estável em casamento, porque se eles vierem a se casar a lei diz que não se comunicam os bens anteriores. Esses bens vão ser de quem? Em nome de quem estão. Aí, se quiser casar direto, sem fazer a conversão, é preciso fazer um contrato ante-nupcial, por escritura pública, para não provocar lesão patrimonial.
Questão n 13: José, proprietário de dois imóveis, casado com Maria, falece ab intestato, deixando cinco filhos maiores. Aberto o inventário, Maria renuncia expressamente, por termo nos autos, à sua quota parte, o fazendo, também expressamente, em favor dos filhos.Trata-se, como se vê, de renúncia que a doutrina chama "traslativa". Pergunta-se: é válida tal renúncia? (Exame OAB, 12/98)
Nós operamos o Direito com imperfeição. Outro dia eu estava discutindo com ele em sala de aula: ele traz o patrimônio inteiro para tirar a parte do meeiro, como se tivesse tirando da herança. Você pode fazer isso que todos fazem nos autos do inventário, mas deixando claro que você está tirando a meação de onde? Do patrimônio do casal que deixou de existir quando um deles morreu. Sim, deixou de existir casal: aquela sociedade conjugal deixou de existir. Por isso o patrimônio comum não é mais comum, então, você tem que tirar a meação do cônjuge sobrevivente. Mas, ao contrário, o que fazem os advogados? Trazem o monte hereditário; herança é patrimônio de quem morreu e aí traz o todo, o bolo comum como monte hereditário para tirar a meação. A meação não se tira de monte hereditário, se retira do patrimônio do casal. Monte hereditário, o nome já diz, é um bolo, herança de quem morreu. Não existe herança de pessoa viva. Posso até levar aos autos do inventário o patrimônio do casal, quando existia casal e sociedade de bens entre eles. Isso eu posso fazer: levar o monte do casal para retirar deste a meação da mulher, e o que sobrar constituir o monte hereditário. Mas não é isso que os advogados fazem. Eu hoje não faço mais, mas fiz durante muitos anos errado, porque quando nos formamos nós operamos o Direito com imperfeição. Nós não levamos o patrimônio da casal para retirar a meação; o monte hereditário é a sobra, é o que sobra daquele patrimônio do casal depois que se retira a meação do cônjuge sobrevivente. Mas não é isso que os advogados fazem. O que é que eles fazem? Chamam de monte hereditário o patrimônio do casal e bota o meeiro como herdeiro.
Maria é a mulher do de cujus, é, portanto meeira, não tem quota parte pois ela não é herdeira.
Ela vem aos autos, na verdade, fazer a doação da parte dela para os filhos. Ora, isso é ato inter vivos. É ela pegar a meação dela e doar aos filhos, mas ela não precisa fazer isso nos autos, pois nada tem a ver com o inventário.
O que a doutrina chama, e sempre chamou, de renúncia traslativa é um herdeiro - e essa mulher aí não é herdeira, é meeira - ceder sua quota hereditária para alguém dizendo: renuncio em favor de Fulano. O que a doutrina chama de renúncia traslativa é, na verdade, um ato inter vivos, é uma cessão de direitos hereditários. Mas só pode ceder seus direito hereditário quem é herdeiro, e Maria aqui não é herdeira - é meeira.
Responderemos essa questão da seguinte maneira: já que está sendo perguntado se é válida a tal renúncia, reponderia que: como cessão de direitos, ou seja, ato inter vivos.

Segunda parte

A primeira coisa que precisamos mostrar a vocês é que neste Título III - art. 1857 e seguintes - há uma pequena modificação. Antes de analisar o artigo do NCC, eu queria que vocês analisassem o artigo correspondente do Código revogado. Como é que era? Ao abrir a sucessão testamentária esse título vinha com o capítulo Do Testamento em Geral, como hoje se mantém, porém o primeiro artigo dessas disposições gerais sobre o testamento, que era o art. 1626, abria o capítulo definindo o testamento; eu diria, tentando definir o testamento.
Numa infeliz tentativa, dizia o legislador:
Considera-se testamento o ato revogável (até aí, tudo bem, porque é um ato jurídico revogável) pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, do seu patrimônio, para depois da sua morte.
Por que essa tentativa de definir o testamento foi infeliz? Porque ao dizer que o ato é revogável, deixou de classificar inteiramente o ato jurídico, que é também um ato personalíssimo, enfim, a classificação completa do ato.
Mas isso é o de menos: o erro mais grave do art. 1626 estava em dizer que o testamento é um ato, através do qual, alguém dispõe, no todo ou em parte, do seu patrimônio, como se o testamento só servisse para disposição patrimonial. Ora, o próprio CC/16 já nos ensinava que por testamento se poderia até reconhecer filho. E o que tem a ver reconhcimento de filho com disposição patrimonial? Filho é patrimônio, tem a ver com relação patrimonial?
Então, já complementávamos o art. 1626 mostrando que o testamento era um ato através do qual podíamos dispor do patrimônio ou fazer disposição de outra natureza.
O novo Código Civil adotou uma técnica legislativa diferente. Ao invés de vir, nesse primeiro capítulo, definindo o testamento, o legislador no art. 1857 já diz quem que pode dispor em testamento e quando é que esse testamento ganhará eficácia. É uma adaptação que não sei dizer a vocês se foi muito feliz. Sabem por que? Quando o art. 1857 diz assim:
Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade de seus bens ou de parte deles, para depois da sua morte. Esse não é um artigo que está cuidando da capacidade de testar, quem é que pode fazer testamento? Ora, essa idéia já não está contida no capítulo seguinte, que cuida exatamente da capacidade de testar? Então, também não sei se bastava o legislador extinguir a regra do art. 1626, do CC/16, ou se precisava mesmo o legislador trazer essa regra do art. 1857. O caput é perfeitamente dispensável já que o capítulo seguinte cuida da capacidade de fazer testamento.
O parágrafo primeiro é que traz uma regra inteiramente nova, que não precisava estar vinculada a esse caput. Agora, ao contrário do que era ao tempo da lei anterior, a legítima nós não podemos mais incluir em testamento. Nós já estudamos a aquela clausulação da legítima, já vimos que agora é excepcional a deserdação bonamente, a deserdação de boa intenção, aquela que não mexe na quantidade, mas na qualidade da legítima. O que era regra na lei revogada, agora passou constituir exceção. Por que assim? Porque hoje nós só podemos fazer testamento da nossa parte disponível, não podemos mais testar a legítima. Alguns podem dizer que antes não podíamos testar a legítima, mas isso é errado porque podíamos clausular a legítima, embora não pudéssemos afastar a legítima dos nossos herdeiros necessários. Então agora vem a regra do parágrafo primeiro, do art. 1857, e modifica o Direito anterior mostrando que em testamento não podemos incluir a legítima.
E o parágrafo segundo corrige erro do Código revogado, mostrando que são várias as disposições testamentárias de caráter não patrimonial ainda que o testador somente a elas se tenha limitado. Ou seja, antes a lei dizia que o testamento era um ato através do qual dispomos do patrimônio para depois da nossa morte. Surgia, então, a pergunta: e quando um testamento não tem nenhuma disposição patrimonial? É válido ou é inválido, pois a lei definiu o testamento como sendo uma disposição patrimonial. Se podia entender um testamento que continha disposição patrimonial e extrapatrimonial como sendo válido. E aqueles testamentos que só tinham disposições extra-patrimoniais? Precisou a jusrisprudência avançar muito para haver o entendimento que esse testamento, contrário à definição da lei, do antigo art. 1626, é um testamento perfeitamente válido. Ainda que não trouxesse nem uma cláusula de disposição patrimonial, ainda que ele só contivesse de cláusulas de natureza extra-patrimonial, era um testamento válido. Aquilo que já era jusrisprudência, hoje está na lei, aí no parágrafo segundo. São várias as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que só a elas o testador se refira.
Enquanto ato jurídico que a lei revogada já classificava como revogável, a lei acrescenta, no art. 1858, ser também personalíssimo. Mas esse é um artigo que ainda não faz a classificação por inteiro do testamento. Se formos pegar a classificação dos atos jurídicos veremos que são atos personalíssimos, são atos unilaterais, é ato gratuito, é ato solene. Então, o Código anterior ao classificar o testamento dizia que ele era apenas revogável, e o Código atual acrescenta que ele é personalíssimo, mas ainda falta muito para classificar corretamente esse ato jurídico.
Então essas são as modificiações e as críticas desse Capítulo primeiro.
Em relação ao capítulo seguinte, aquele que cuida da capacidade de testar, intitulava-se no Código anterior Da Capacidade de Fazer Testamento; agora, chama-se Da Capacidade de Testar.
Ou seja, quem é que pode testar?
Vamos voltar à Parte Geral do Código? Eu vou perguntar a vocês o seguinte: quem são as pessoas plenamente capazes? O que diz a Parte Geral do Código? A Parte Geral do Código diz quem são as pessoas plenamente capazes? Onde está isso?
- Fala dos
O Código Civil - o novo e o velho - sempre adotou um critério: e qual é esse critério? A regra é a capacidade plena. Todas as pessoas são plenamente capazes; como isso é a regra o legislador não precisa dizer quem são os capazes. O legislador precisa dizer quem são os incapazes. O mesmo critério está adotado aqui no Capítulo sobre a capacidade de testar, o mesmo critério adotado pelo legislador, lá na Parte Geral, para cuidar da capacidade das pessoas está adotado aqui na sucessão testamentária. Quem são as pessoas capazes de testar? Todas que a lei não chamou de incapazes. Assim sendo, vamos analisar o art. 1860, que a lei aqui reproduz, a exemplo do que fazia no Código revogado, quem são os incapazes de fazer testamento.
E agora, perdeu a graça aquelas questões de concurso, não sei se vocês acompanham concurso, mas antes, nós que somos professores, adorávamos perguntar a aluno ou a candidato se o relativamente incapaz em razão da idade (vocês sabem que no Código revogado a maioridade ou a capacidade plena só se adquiria com a maioridade ou com a emancipação, não é assim? E só se adquiria a capacidade plena pela maioridade aos vinte e um anos. Acima dos dezesseis anos, a pessoa já não era mais absolutamente incapaz, passando a ser considerado pela lei relativamente incapaz) se essas com dezessete, dezoito anos, que ainda eram incapazes, podiam testar. Hoje, quando a capacidade plena se atinge aos dezoito anos, uma pessoa de dezesseis, dezessete anos pode testar? Essa pergunta perdeu a graça, porque a lei diz expressamente que pode.
A lei anterior dizia assim, no art. 1627:
São incapazes de testar:
I - os menores de 16 (dezesseis) anos (abolutamente incapazes);
II - os loucos (absolutamente incapazes);
III - os que, ao testar, não estejam em seu perfeito juízo (absolutamente incapazes);
IV - os surdos-mudos, que não puderem manifestar a sua vontade (absolutamente incapaz).
E aí, em cima do art. 1627, perguntávamos se o maior de dezesseis mas menor de dezoito anos poderia testar. O aluno fica um pouco confuso diante dessa norma e tinha dúvidas em dizer se podia ou não.
Hoje a lei diz expressamente que pode.
Embora tenha perdido a graça esta pergunta, não perdeu a graça uma outra pergunta: por que ele pode? Por que é que ele é relativamente incapaz para todos os outros atos civis e precisa de um assistente para que o seu ato tenha validade, para aperfeiçoar a sua vontade; e aqui, para fazer o testamento, a lei diz que ele pode testar? Primeira pergunta: ele precisa de assistente para testar? Ele pode praticar um ato válido sem assistência aos dezesseis anos? O que é que a Parte Geral diz em relação aos relativamente incapazes? Quais são os institutos que no Direito brasileiro suprem a incapacidade absoluta e incapacidade relativa? A representação supre a incapacidade absoluta; a assistência supre a incapacidade relativa. Aqui, o relativamente incapaz, em razão da idade, precisa ser assistido? Não pode. E por que não pode? Porque o ato de testar é personalíssimo. Ele não pode ser assistido, ele tem de testar sem assistência.
- Sem assistência?!
- É, ele só pode testar sem assistência porque o ato é personalíssimo. Agora, eu pergunto a vocês: como explicar isso? Como explicar que o maior de dezesseis anos possa testar (como sempre pode na lei revogada, embora não existisse um artigo dispondo sobre isso expressamente, e hoje existe - parágrafo único, do art. 1860) e não precise de assistência?
- Eu defenderia essa corrente dizendo que a lei serviria só para os emancipados.
- Não, serve para todos e sempre foi assim. O NCC não modificou isso, ele só traz a regra expressa, mas sempre foi assim: o relativamente incapaz, em razão da idade, sempre pode testar e nunca pode testar assistido por que o ato de testar é personalíssimo. Também não há controvérsia nesse campo. O que eu quero é que vocês saibam explicar a razão pela qual é assim e sempre foi assim.
- Será que é porque é depois da morte dele que vai ter eficácia?
- É isso, parcialmente correta essa resposta, brilhante o raciocínio.
- E porque é revogável?
- Não, não é porque é revogável. Vamos aproveitar o raciocínio dela. Vamos para o quadrinho dos atos jurídicos, analisar o três planos da existência, validade e eficácia. Um menor poderia testar, o testamento seria existente? Se tem todos os elementos essenciais, sim, seria existente. Seria válido? Para a validade do ato, em princípio, a lei requeriria o assistente, mas este retiraria o caráter personalíssimo. Assim sendo, eu vou deixar para analisar a validade com vocês depois. Ela analisou direto o plano da eficácia. O ato existente se válido fosse teria eficácia. Só após a morte, depende do evento futuro e certo, morte, para ele ganhar eficácia. Esse é um raciocínio importantíssimo. Então, aquele ato de testar , aquela disposição de última vontade só será eficaz depois da morte, não é assim? Só ganha eficácia depois da morte. A lei protege quem? A vontade de quem? O testador desse nosso exemplo quem é? É o relativamente incapaz. A lei protege o relativamente incapaz porque ele é relativamente incapaz enquanto pessoa. Mas quando ele morre ele está protegido pelo instituto da incapacidade? Não porque ele deixou de ser pessoa. O instituto da incapacidade visa proteger quem? A pessoa incapaz. Morto não é pessoa, não está protegido pelo instituto da incapacidade. É por isso que o relativamente incapaz em razão da idade pode testar sem assistência, porque o dia que aquele testamento ganhar eficácia ele, autor do testamento, estará morto. E morto ele não tem a proteção do instituto da incapacidade. Assim, aquela manifestação de vontade feita em vida, que só terá eficácia depois da morte, ao ser aberto o testamento, o autor do testamento não terá mais a proteção do instituto da incapacidade. A validade do ato depende da análise da eficácia. Por que? Porque a validade do ato se aufere quando? No momento em que ele testou ele não podia estar assistido porque ele realizava um ato personalíssimo. Esse ato personalíssimo seria inválido se tivesse que ganhar eficácia naquele momento. Porém, aquele ato não teria eficácia naquele moemnto, só depois sa sua morte. Depois da sua morte não importa se ele tem menos de dezoito ou mais de dezoito, porque o instituto da incapacidade não se estende depois da morte: só serve para pessoas e só existem pessoas enquanto vivas elas são.
- E se eu não tiver essa sensibilidade de ver a aplicação do instituto?
- Se você operar o Direito erradamente, é isso que você quer dizer? O testamento será inválido se uma pessoa relativamente incapaz testou assistido, porque o ato é personalíssimo. No caso do testamento, válido é o ato praticado pelo relativamente incapaz, em razão da idade, sem assistência. Ë lindíssima a doutrina nesse aspecto, mas nunca foi controvertida e sempre foi assim.
Por que os alunos têm dificuldade em entender isso? Porque não conhcem o instituto da incapacidade, ou seja, a dificuldade que temos de entender o Direito nessa parte é uma falha do conhecimento da Teoria Geral do Direito. Nós não conseguimos o instituto da incapacidade na lei. Olhem a regra, lembrem-se de que a regra geral é de que todas as pessoas são plenamente capazes; salvo aquelas que a lei diz que são incapazes. A lei disse, no art. 1627, do CC/16, que o menor entre dezesseis e vinte e um anos (que na lei velha eles eram menores de idade até completarem vinte e um anos) não poderia testar? Não, e se a lei não proibiu permnitiu que ele testasse. Então, bastava essa regra para, ao tempo da lei velha, vocês responderem acertadamente qualquer questão. É preciso verificar que esta regra do art. 1627, do Código revogado, que tratava a capacidade de testar da mesma forma que a Parte Geral, ou seja, presumindo todas as pessoas plenamente capazes de testar, salvo essas que a lei elenca; essa regra se modificou no NCC? Não. O NCC só precisou se adaptar à nova maioridade estabelecida por esta lei. Como hoje, as pessoas, entre dezoito e vinte e um anos são plenamente capazes, o art. 1860, do NCC, precisou dizer que não podem testar todas aquelas pessoas que não tiverem pleno discernimento. Mas lembrem-se: a partir dos dezoito anos, no NCC, é plenamente capaz.
E quem é relativamente incapaz? Todas as pessoas que o NCC diz, na Parte Geral, que são relativamente incapazes. Essas pessoas podem testar? Se a incapacidade relativa for em razão da idade podem. Pela mesma razão que já podiam na lei velha. A lei não afastou e a lei não estende o instituto da incapacidade para o morto, só para as pessoas. Como o NCC mudou a redação do art. 1860, para não mais acolher a idéia excepcional dos "são incapazes de testar..." foi necessário vir o parágrafo único.
- Professora, eu só não consegui entender muito bem a parte da validade, já que não tem assistência, ele vai estar acima da assistência?
- Não. Um ato personalíssimo de outra natureza dependeria da assistência. Por exemplo, vamos imaginar que uma mulher tenha a idade núbil de dezesseis anos e tenha se casado. Casando ela adquire a capacidade plena, ao tempo da lei velha ela já adquiria a capacidade plena. Antes, quando ela fez um pacto ante-nupcial para o casamento ela ainda não estava emancipada por força de lei. Ela era relativamente incapaz aos dezesseis anos. Para praticar esse ato, pacto ante-nupcial, ela precisava da assistência? Sim. Para fazer um contrato de natureza patrimonial; pintar um quadro (ato personalíssimo, porque pintor era só ela), ela dependia da assistência para aperfeiçoar a sua manifestação de vontade nesse contrato? Sim. A questão é que todos esses atos que eu exemplifiquei são atos que produzem efeito durante a vida da pessoa. A questão é quando você realiza um ato que não vai produzir efeitos enquanto você estiver viva - só depois da morte. É essa a questão.
A regra do artigo seguinte também já existia no Código. Mas antes de lê-la, vamos imaginar a seguinte situação: uma pessoa louca faz um testamento. Esse testamento tem validade? Não, todos vocês são capazes de dizer que não. Mas se ela, dois anos depois que testou, ficou curada? A mesma coisa, porque a capacidade dela superveniente não tem o condão de validar um ato que ela praticou quando era absolutamente incapaz. Então, o que precisamos verificar é isso: a capacidade para testar precisa ser medida no momento em que você testa: se vocÊ testa quando era capaz e depois se torna incapaz esse testamento é válido, porque na época em que você testou você tinha capacidade. Mas se você testa sendo absolutamente incapaz e depois você adquire a capacidade é óbvio que quando você testou a sua vontade estava viciada. O que a lei vai dizer no art. 1861 é o mesmo que já dizia no art. 1628: a incapacidade superveniente (ou seja, você era capaz quando testou e depois se tornou incapaz) não vai invalidar o seu testamento porque quando você testou você estava na sua capacidade plena. Porém, se quando fez um testamento você era incapaz, esse testamento vai permanecer inválido, ainda que você venha adquirir a capacidade.
Capacidade para fazer testamento: a do livro que vocês estão lendo, a capacidade que a lei da Virgínia exige é a mesma capacidade que o Direito brasileiro exige? Alguma coisa se reflete no livro quando ele vem com todo o aparato para provar que era capaz. O suicida estaria em seu juízo perfeito? Isso seria questionado, por isso antes ele se submete a uma prova pericial para provar que estava em seu juízo perfeito.
- É examinado por psiquiatras não contratados por ele...
- Exatamente. O terceiro capítulo vai falar das formas ordinárias do testamento. O Direito brasileiro conhece formas ordinárias e formas especiais de testamento.
Em geral, todo mundo tem de testar numa das formas ordinárias. E quais são elas?
- Qual a natureza jurídica do testamento? É condicional?
- Olhe o que você mesma me disse: a eficácia do testamento só se opera depois da morte. E o que é morte? Um evento futuro e certo: todo mundo sabe que vai morrer, só não sabe quando. Evento futuro e certo não é diferente de evento futuro e incerto? O Direito chama de condição o evento futuro e incerto. Vamos, então, à pergunta que você me fez: esse é um direito condicional? Não, porque a condição é um evento futuro e incerto. Este é um negócio jurídico a termo, porque a morte é um termo - evento futuro e certo (ver a Parte Geral do Código).
O testamento pode ser ordinário ou especial. Qual é a regra geral? É que temo de deixar sempre na forma ordinária. Excepcionalmente, podemos testar numa das formas especiais.
Quais são as formas ordinárias? O testamento pode ser público, cerrado ou particular.
E quais são os testamentos especiais? No Código velho só existia o testamento marítimo e o testamento militar.
Agora existe também o testamento aeronáutico, que foi cuidado junto com o testamento marítimo.
Se eu perguntar a vocês: o que é um testamento místico? O que é um testamento hológrafo (alguns preferem falar holográfico)? Vocês leram isso no "O Testamento", de John Grisham. Se eu professora/examinadora tiver de perguntar isso num concurso, eu não vou usar essas expressões tolinhas porque qualquer candidato acha isso no índice do Código. Eu vou chamar o testamento - a doutrina chama o testamento cerrado de testamento místico; assim como o testamento particular é chamado de testamento hológrafo (ou holográfico). Este último é a forma de testamento do livro de John Grisham. É um testamento particular. São os apelidos que a doutrina dá.
Do que é que o capítulo três vai cuidar agora? Só das formas ordinárias de testamento. Então, o capítulo que nós vamos olhar só cuida da primeira seta do nosso gráfico. As formas ordinárias de testamento constituem a regra geral. Em regra, para testar temos de escolher uma dessas formas. E eu pergunto a vocês: tem alguma forma pior ou melhor de testar?
- Eu acho que depende do testador.
- Eu acho que é por aí,sim, eu acho que depende de cada cao concreto, porque todas as formas ordinárias de testamento tem vantagens e desvantagens. Por exemplo, um testamento público tem a vantagem de não haver nenhum risco sobre o seu cumprimento: ele não vai desaparecer, todo mundo sabe o seu conteúdo. Mas isso pode ser, num caso concreto, uma desvantagem. Se eu, parente, quiser conhecer o conteúdo desse testamento eu chego a cartório e encontro uma certidão. Mas aí não pode haver uma grande briga familiar em razão dessas disposições testamentárias? Assim sendo, depende do caso. Porque estou chamando atenção para isso? Porque nós somos advogados, e o cliente não vai até o nosso escritório perguntando qual a natureza jurídica do testamento? Ele vai lá porque quer testar e quer saber qual a melhor forma de fazê-lo. Mas não é você que tem que dizer a ele qual a melhor maneira de testar; você tem de dizer quais são as vantagens e desvantagens de cada forma ordinária de testar, para que ele tenha, aí sim, condição de decidir a partir dessas informações técnicas que ele vai receber de você advogado. Aí sim, ele terá condição de escolher a forma ordinária através da qual ele quer testar. Todas as formas têm vantagens e desvantagens. Um testamento particular pode sumir e nunca aparecer para ser cumprido. O que é importante vocês verificarem, além disso que eu estou falando? Que todas as formas ordinárias de testamento têm vantagens e desvantagens e que algumas pessoas ) não têm, como a grande maioria, a opção, não têm escolha; algumas pessoas a lei não permite que escolha uma dessas formas.
O que eu acabei de dizer sobre as formas ordinárias já aparece no art. 1862: testamento público, cerrado e particular.
O art. 1863, também repetindo o art. 1630, do Código revogado, proíbe testamento conjuntivo. E o que é testamento conjuntivo? Por exemplo, marido e mulher podem testar juntos? A lei proíbe. Mas por que a lei proíbe?
- Porque o ato é personalíssimo.
- Sim, porque o ato é personalíssimo. Também não pode testar conjuntivamente, seja simultâneo (feito ao mesmo tempo), recíproco (um deixa os seus bens para o outro e este deixa os seus para aquele) ou correspectivo (para cada vantagem que eu lhe der você também me dará uma vantagem). Ora, por que isso não é possível? Primeiro, porque o ato é personalíssimo. Segundo, porque você não pode em vida dispor do patrimônio de uma pessoa; em outras palavras, você não pode fazer negócio jurídico com herança de pessoa viva. E isso, dar a uma outra pessoa uma vantagem por aquilo que ela está dando para você é negócio jurídico sobre herança de pessoa que está viva, não morreu. É por isso que vem a proibição do art. 1863.
Neste art. 1863, eu fiz uma remissão aqui no meu Código ao art. 1887. Nós vimos as formas ordinárias de testar, mas é só para chamar a atenção que existem formas especiais e só existem como formas especiais aquelas que o legislador traz, não existe nenhuma outra possibilidade de fazer testamento que não seja dentro dessas formas ordinárias ou dentro das formas especiais que a lei traz.
Bem, como é que eu vou dar sucessão testamentária tendo tantas regras para analisar? Vou começar a resumir por aqui. Eu não vou ler no Código com vocês as regras do testamento público, do testamento cerrado e do testamento particular. Mas, embora eu não tenha tempo de fazer essa análise com vocês, vocês terão de ser capazes de me responder uma pergunta; para tanto, vocês vão ter de ler essas regras. Só para ficar como incentivo, a pergunta é: como podem testar (e, evidentemente, eu estou dentro das formas ordinárias: testamento público, cerrado e particular) o surdo, o mudo, o surdo-mudo, o cego e o analfabeto. Para vocês responderem essa questão vocês vão ter de ler essas normas. E olhem: tudo que vocês quiserem saber sobre sucessão testamentária, por exemplo a resposta para essa pergunta, é só ler a lei. Ao cego - ela já achou - só se permite uma forma de testamento.
Bom, agora nós entramos numa parte do Direito das Sucessões que não enseja dificuldades. Nós vamos ter uma ou outra controvérsia; e agora, sim, como nessa parte de sucessão testamentária o NCC muda o instituto do fideicomisso, nós temos de ter cuidado na análise de algumas normas. Mas em regra o Direito nas sucessões testamentárias não enseja nenhuma dificuldade. Por isso, para que vocês respondam questões como essas bastam ir na lei. A própria lei vai mostra, por exemplo, quando ela exige como requisito essencial de um determinado testamento (eu estou forçando a leitura dessas regras, para vocês encontrarem a diferença do livro que eu mandei ler). O número de testemunhas para fazer testamento; e observem que a lei nova já baixou o número de testemunhas, que na lei rebogada eram cinco as testemunhas, e hoje, na lei nova, são duas ou três. Todas as vezes que o legislador falar assim: quando não puder ou souber assinar: quando não souber, a lei refere-se ao analfabeto; quando não puder, sabe, mas por alguma razão não pode, ou porque está em coma, ou com o braço engessado; não importa qual é razão, importa que naquele momento ele não pode.
O capítulo seguinte vai cuidar dos codicilos. Alguns dizem que o codicilo é um mini testamento. Não é: não tem nada de pequeno ou grande. O codicilo melhor seria dizermos que é uma maneira de dispor da sua última vontade, deixando bens de pequena monta, ou fazendo disposições outra natureza. É um ato menos solene do que o testamento. Vocês, quando lerem as normas das formas ordinárias de testar, ou seja, quando vocês lerem as normas dos testamentos público, partivcular e cerrado vocês vão ver que o legislador chega a ser chato de tanta exigência, de tanto requisito. Essa formalidade toda não existe no codicilo. O codicilo é uma coisa simples, é um escrito particular, datado e assinado. Olhem o que diz o art. 1881:
Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou jóias, de pouco valor, de seu uso pessoal.
Então, vejam que o codicilo serve para deixar disposições sobre o seu enterro, como é que a pessoa quer ser enterrada. A lei usa uma expressão muito arcaica, mas lembrem daquilo que eu disse a vocês: uma das técnicas legislativas foi alterar o mínimo possível na redação do Código revogado. Assim, através do codicilo, podemos deixar esmolas de pouca monta, o que significa bens de pequeno valor econômico, a certas e determinadas pessoas; ou serve ainda o codicilo para deixar esses bens de pequena monta, essas esmolas de pouca monta a pessoas indeterminadas, no caso de serem pobres, porque aí serve os pobres do lugar do domicílio do de cujus (vocês vão ver a regra mais adiante). Também serve o codicilo para que leguemos móveis (deixar um determinado armário para uma sobrinha, um faqueiro para o neto, sabem aquelas coisas que a gente bota em testamento?). Enfim, o codicilo serve para isso; é uma coisa mais rápida, sem grande solenidade, sem formalidade alguma, basta que esteja datado e assinado. Também roupas ou jóias de pequeno valor de uso pessoal. Vejam a idéia contida nessa norma: esmolas de pouca monta, jóias de pequeno valor e de uso pessoal; se for uma coisa de valor econômico grande cai na formalidade do testamento.
- O codicilo pode ser parte integrante do testamento?
- Você vai ver mais adiante uma regra expressa na lei que você pode morrer deixando testamento e codicilo. A questão é: o testamento não é mais solene do que o codicilo? Então, quando você faz um testamento depois de já ter feito um codicilo você precisa confirmar.
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- Agora entendi a sua pergunta: ele quer saber se analisar um testamento você pode achar que ali dentro se contém um codicilo. Não, são documentos completamente diferentes. O testamento é um documento solene, e o Troy testou da forma particular. Ele poderia não ter feito o testamento, ele poderia ter feito um codicilo só sobre as disposições de seu enterro. Mas ele aproveitou, junto com as disposições testamentárias de grande valor econômico, ele botou as disposições sobre o seu enterro. Aquilo não é codicilo, aquilo é testamento.
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Eu vou dar um exemplo que talvez tire a dúvida de vocês. Isso aconteeu comigo: eu ainda não tinha 15 anos , quando perdi meu avô. E o meu avô era alguém muito importante na minha vida. O pai da minha mãe, nós fazíamos aniversário juntos, ele ia a pé do centro da cidade até o bairro onde eu morava, naquela época de bonde; ele ia a pé para levar, de manhã, o pão que eu gostava de comer. E eu tinha irmãs, mas nós tínhamos uma afetuosidade mais forte. Ele era português bronco toda vida, mas um poeta nato. Tudo o que ele escrevia era em versos. E quando ele morreu, nós encontramos no bolso do paletó dele um verso, datado e assinado. Ele sofria muito com falta de ar, e naquele verso ele falava dessa falta de ar que o estava matando e pedia para ser enterrado em catacumba. E eu, na época, nem sabia do que se tratava. Aquilo era um codicilo: era um escrito particular, datado e assinado, onde deixou disposição sobre o seu enterro. Ele tinha medo de ser sepultado debaixo da terra, ele que ser colocado naquelas sepulturas tipo gaveta, que existem nos cemitérios. Aquele documento particular, sem solenidade nenhuma, sem formalidade nenhuma, sem testemunha nenhuma, só datado e assinado, um escrito particular era um codicilo. Eu o tenho até hoje, se eu lembrar trago para vocês verem.
- O inventário se interrompe para se cumprir o testamento. E o codicilo?
- O problema do codicilo é o seguinte: às vezes, quando você acha o escrito particular não dá mais tempo de cumprir a vontade do testador. Mas é uma opção. Você pode testar ou pode fazer um codicilo. Se você opta por fazer o codicilo para deixar disposições sobre o seu enterro e não fala isso para ninguém você corre o risco de não ter a sua vontade atendida. A lei lhe dá a chance de garantir o atendimento de sua vontade, mas a opção é sua.
- A minha pergunta fugiu do Direito Civil e foi para o Direito Processual. Qual é os trâmites que se cumpre, na hipótese de se ter conhecimento do codicilo, estar de posse dele. Ele também interrompe o inventário? Você o menciona na petição?
- Vamos para um caso concreto. Se o codicilo só trouxer disposições à respeito do enterro ele nem vai ao inventário, porque é absolutamente desnecessário. Mas, às vezes, através do codicilo se deixou um legado para determinadas pessoas. Aí, processualmente, é exatamente igual ao cumprimento do testamento.
- Interrompe para poder cumprir o codicilo?
- Exatamente. E enquanto se litiga sobre a validade dele, não pode ser cumprido. O legatário não tem o direito de pedir enquanto se litiga sobre a validade ou do testamento, ou do codicilo. As regras que a lei traz sobre o cumprimento do testamento se aplicam no que couber ao codicilo. Mas nem sempre vamos aplicar regra alguma, por que? Porque, às vezes, o codicilo não deixa as jóias, quer dizer aquelas coisas de uso pessoal não estão no codicilo. No codicilo só decide sobre enterro (p. ex.: quero que reze missa na igreja tal); às vezes você não consegue nem cumprí-lo.
Eu já muitos codicilos, mas nunca vi um ser apresentado nos autos do inventário. Nós vivemos a advocacia há anos e às vezes não vê determinadas hipóteses que a lei trata abstratamente.
O art. 1882 repete regra do Código revogado colocando a salvo direito de terceiro.
Art. 1883. Também é possível, no codicilo, nomearmos testamenteiro. Então, vamos imaginar a seguinte hipótese: eu fiz um testamento e na época não nomeei um testamenteiro. Mais tarde eu posso fazer um codicilo nomeando um testamenteiro? Posso. E é isso que a lei está dizendo no art. 1883 é que através de um codicilo poder-se-ão nomear ou substituir testamenteiros anteriormente nomeados.
O art. 1884 mostra como é que se revoga um codicilo. Essa é uma regra importante, já era assim no Código revogado. " Revogam-se por atos iguais ", ou seja, o codicilo posterior revoga o anterior naquilo que com ele conflita. É a mesma regra da revogação de lei. "E consideram-se revogados, se, havendo testamento posterior, de qualquer natureza": naturalmente, pois, o testamento não é um ato solene, diferente do codicilo? Assim, se eu faço um testamento depois, e não confirmo o codicilo, aquele revoga a este. Esse é o cuidado que se tem de ter: eu posso fazer um testamento antes, e depois fazer um codicilo complementando com bens de pequena monta, a nomeação de um testamenteiro, disposição sobre o meu enterro. Mas se for ao contrário, se eu fizer um codicilo antes e depois fizer um testamento, eu preciso confirmar ou modificar aquele codicilo, sob pena do ato de maior solenidade revogar o de menor solenidade.
O codicilo pode estar fechado, isto é, o instrumento particular pode estar lacrado. Nesse caso, como é que se abre um codicilo? Da mesma forma que se abre um testamento cerrado. E como eu não li essas regras do testamento cerrado com vocês, eu vou agora mostrar o artigo 1875. Esse testamento cerrado, assim como o codicilo que estiver cerrado, fechado, tem que ser apresentado ao juiz, e este só vai abrir e mandar registrar esse codicilo ou testamento "se não achar vício externo que o torne eivado de nulidade ou suspeito de falsidade". Então, processualmente, da mesma forma que se abre um testamento cerrado se, também, abre um codicilo fechado.
Sobre os testamentos especiais o que fez o legislador para incluir essa terceira espécie - testamento aeronáutico? Inseriu-o no capítulo do testamento marítimo. As regras, então, são muito semelhantes.
Voltemos às disposições gerais.
O art. 1887 - este é um artigo muito interessante. Já era assim no Código revogado. Assim, eu pergunto a vocês: ao tempo da lei revogada, quem estava à bordo de uma aeronave enfartando podia fazer um testamento. A lei já dizia, no revogado art. 1631, que "não se admitem outros testamentos especiais, além dos contemplados neste Código (arts. 1656 a 1663)". E o CC/16 só contemplava o testamento marítimo e militar, não contemplava o testamento aeronáutico. Quem estivesse enfartando a bordo de uma aeronave ia "empacotar" sem fazer testamento. Por que? Porque a lei dizia que não se admitiam outros testamentos especiais além desses. Deste modo, a jurisprudência não podia estender a norma dos testamentos especiais para as pessoas embarcadas em aeronave. Por isso veio a necessidade de vir também esse testamento especial. E o que é que vocês vão encontrar aqui na Secão II? A possibilidade, que já existia, não só de pessoas em viagem em navio nacional, de guerra ou mercante - não é em navio de turismo, não - testarem, assim como as pessoas, vejam o art. 1889, que estiverem em viagem a bordo de aeronave. A aeronave pode ser militar ou comercial. Mas o testamento marítimo serve para qualquer pessoa, não apenas para o militar, desde que essa pessoa esteja em navio nacional, de guerra ou mercante.
- Por que não .....
- Qual é a impressão que eu tenho - e vamos para o Código de 1916, para justificar isso: o CC/16 protegia pessoas a serviço das Forças - a serviço do Exército e à serviço da Marinha - não apenas os militares, por isso vinha o testamento marítimo e o testamento militar. Quando o legislador, agora, sentiu a necessidade de trazer o testamento aeronáutico, acabou estendendo a aeronave militar para também a aeronave comercial, porque hoje o avião é um meio de transporte comum. Mas o navio não é um meio de transporte comum? Não, só se usa navio, hoje em dia, para lazer, para turismo. Ora, se você vai fazer turismo faça um testamento antes, da forma ordinária. Então, respondendo à pergunta dela: eu não sei qual foi a intenção do legislador porque eu sou advinha. Eu imagino que o legislador tenha considerado que hoje a aeronave é um meio de transporte até para o nosso trabalho. Você chega aqui no Aeroporto Santos Dumont, e vê que o tempo todo as pessoas embarcam no mesmo dia para Rio-S.Paulo-Rio, para Rio-Brasília-Rio, para Belo Horizonte, Porto Alegre. A ponte aérea mostra que a aeronave é um meio de transporte para o nosso trabalho. O transporte aéreo, hoje, já até abaixou o preço tal a quantidade de pessoas que o utilizam no dia-a-dia. Pode-se argumentar que esse meio de transporte é utilizado para turismo também; sim, mas o legislador, para beneficiar as pessoas que dependem desse veículo para o trabalho acabou beneficiando outras pessoas que o estejam utilizando tão-somente para turismo. Mas quem faz turismo pode, antes de sair em viagem de lazer, testar em uma das dormas ordinárias. É preciso ter em mente que os testamentos especiais são excepcionais. Você está no dia-a-dia no seu transporte, embarcado, vai para a empresa lá em São Paulo, vai para Brasília, vem para o Rio para resolver um problema, você não tem nem tempo de pensar em testar.
- Por exemplo, eu embarquei num navio a lazer. Só que o navio é um Titanic.
- Vai morrer sem testar.
- Não sei nadar e jamais esperarei que essa viagem a lazer viesse a ter esse fim...
- Vai morrer sem testar, porque quando você embarcou você sabia que podia antes testar. Você sabia que havia o risco. (Risos). E por que é assim? (Continuam os risos.) É gente é verdade. É porque eu trato a morte com mais simplicidade enquanto professora; agora, enquanto pessoa eu encaro a morte com as mesmas dificuldades que vocês. Mas, enquanto professora do Direito das Sucessões eu tenho de falar dessa forma. A lei sempre cuidou do testamento marítimo e militar como sendo testamentos excepcionais. Ora, se você sabe que é excepcional ele só serve para aquele caso. Se você está embarcado num navio de passeio você sabe que não pode testar estando a bordo dele. A ninguém é lícito alegar o desconhecimento da lei.
- Eu sei.
- Então, você embarcou sabendo que não podia testar. Se você tiver um "piripafe" para enfartar lá dentro vai morrer sem testar. Porque você teve a oportunidade que o legislador lhe deu de testar antes.
Mas você ainda pode testar mesmo estando nessa viagem: é se você der a sorte do navio parar num porto onde você possa desembarcar e testar numa das formas ordinárias.
- Mas se estiver numa situação de desastre inesperado como no Titanic...
- Ele vai valer como um testamento ordinário. Então, por exemplo, se você pudesse desembarcar e testar da forma pública é ótimo. Mas se você não puder você pode se utilizar de um testamento cerrado ou testamento particular e correr os riscos desse documento desaparecer no acidente.
- Coloco numa garrafa e torço para que alguém encontre?
- Pode ser, este valerá como um testamento feito por uma das formas ordinárias e não como um testamento marítimo. Vocês estão vendo muito filme, hein?
Então, vocês viram as regras do art. 1888, 1889.
O art. 1890 modifica um pouquinho o Código revogado porque agora nó temos o testamento aeronáutico. E quem é que guarda esse testamento? O comandante, do navio ou da aeronave, que vai entregar esse documento à autoridade administrativa no primeiro porto ou aeroporto. Essa entrega é contra recibo averbado no diário de bordo.
- Essa aeronave aí poderia ser uma Columbia, isto é, uma nave espacial?
- Veja o que diz o art. 1889.
- Aeronave militar ou comercial.
- A lei fala aeronave. Um foguete espacial é considerado uma aeronave? Eu não sei.
- O foguete não, mas a nave Columbia sim.
- Eu não sei se a Columbia era uma aeronave, mas se estiver dentro da definição de aeronave podemos interpretar extensivamente?
- Não, porque nós temos o nosso astronauta.
- Sim, mas observe uma coisa. A pergunta é interessante, porque isso vai me fazer chamar a atenção para uma coisa que vocês não perceberam, embora eu já a tenha dito uma cinco vezes, nos últimos cinco minutos; vou repetir: testamento especiais constituem exceções. Então, vamos lá: olhem o art. 1889 e respondam a pergunta dela. A Columbia poderia estar encaixada aqui? A que conclusão eu quero chegar com a pergunta que eu fiz? Se testamentos especiais são excepcionais, a interpretação desta ou de qualquer norma jurídica que se refira a eles deve ser restritiva. Deste modo, o que o legislador quer dizer com aeronave militar ou comercial? Que ela esteja a serviço de alguma das Forças Militares, ou que esteja em viagens lucrativas. Pode acontecer de uma Columbia da vida servir para fazer turismo daqui há algum tempo, levando-nos para passear na Lua.
- Mas já está levando; não levou um milionário?
- Ou à serviço militar.
- Mas não é uma nave de finalidade comercial. Pode até ter-se prestado a esse fim, mas não é uma aeronave com finalidade comercial. Por enquanto a exploração é para fazer descobertas científicas. O governo pode ter permitido o particular ir - aí são exceções dentro de cada governo; mas o governo brasileiro não permite isso. Assim, eu não posso interpretar ampliativamente para dizer que coloca-se aqui qualquer aeronave. É lógico que a ciência evolui e pode daqui há pouco estar considerando como aeronave essas viagens saindo da Terra, para outros planetas, sei lá. Nós não vamos viver essa era, mas no futuro pode estar. Ainda assim, é preciso ter um certo cuidado porque estamos diante de regras excepcionais, cuja interpretação não pode ser extensiva. Então, nós temos que aproveitar a regra para situações onde, efetivamente, teremos uma aeronave, e não uma nave semelhante - porque eu não posso estender a regra - que esteja dentro dessa característica militar ou comercial.
- E no caso brasileiro não vai ser necessário porque a nossa nave explode no chão mesmo.
O mais importante é vocês saberem que como esse é um testamento excepcional ele caduca. Vejam o que diz o art. 1891.
Caducará o testamento marítimo, ou aeronáutico, se o testador não morrer na viagem, nem nos 90 (noventa) dias subseqüentes ao seu desembarque em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento.
Se o testador já desembarcou, a lei dá um tempo para ele resolver a sua vida, 90 dias, porque ele pode ter ficado muito tempo em viagem, precisa botar a vida dele em dia após o desembarque. A lei considera 90 dias um prazo razoável para que ele teste em uma das formas ordinárias.
Assim, se não morreu durante a viagem, ao desembarcar esse testamento ainda tem validade durante três meses. Após esse período, caducou.
Diz o art. 1892, que não valerá esse testamento se o navio estava parado no porto onde você pudesse desembarcar e testar de uma forma ordinária.
E o testamento militar? Eu vou encerrar com ele mostrando a vocês só o seguinte. Esse testamento militar a doutrina já fazia uma crítica muito grande porque é aqui que existe um testamento chamado nuncupativo. E o que é o testamento nuncupativo? É o testamento verbal, feito verbalmente. A doutrina já fazia uma crítica a esse art. 1895, que corresponde ao art. 1662. Vocês viram que o testamento anterior, marítimo ou aeronáutico, caduca se o testador não morre na viagem. Parece até um privilégio para o militar, porque há uma possibilidade do testamento do militar não caducar nunca, ainda que ele retorne vivo, ainda que passe o prazo de noventa dias. Querem ver? Diz o art. 1895, repetindo o revogado art. 1662:
Caduca o testamento militar, desde que, depois dele, o testador esteja, 90 (noventa) dias seguidos, em lugar onde possa testar na forma ordinária (até aqui tudo igual, mas vejam, logo a seguir o "salvo se"), salvo se esse testamento apresentar as solenidades (eu poria entre aspas essas "solenidades") prescritas no parágrafo único do artigo antecedente. Sabem do que se constitui essas "solenidades prescritas"? Trata-se de uma porcaria de uma nota. Querem ver? Diz o art. antecedente:
Art. 1894. Se o testador souber escrever, poderá fazer o testamento de seu punho, contanto que o date e assine por extenso, e o apresente aberto ou cerrado, na presença de duas testemunhas ao auditor, ou ao oficial de patente, que lhe faça as vezes neste mister.
Parágrafo único. O auditor, ou o oficial a quem o testamento se apresente notará (é essa notinha porcaria aí, que o artigo seguinte chama de "solenidades"), em qualquer parte dele, lugar, dia, mês e ano, em que lhe for apresentado, nota esta que será assinada por ele (auditor) e pelas testemunhas.
Ora, se tiver essa porcaria dessa notinha, esse testamento não vai caducar nunca. Porque o artigo seguinte fala, na sua segunda parte, que o testamento não caduca se ele apresentar as solenidades prescritas no parágrafo único do artigo antecedente.
Então, vocês têm aí a lei repetindo o privilégio que deu aos testamentos militares. E eu vou chamar a atenção que esses testamentos não servem só para militares: servem para quaisquer pessoas a serviço do Exército em campanha. Isso é dito pelo art. 1893: "O testamento de militares e demais pessoas a serviço das Forças Armadas em campanha...". Portanto, é um testamento que serve para quem não é militar, desde que esteja a serviço das Forças Armadas em campanha. Mas, os militares a serviço das Forças Armadas em campanha, ou qualquer pessoa, que não seja militar, a serviço das Forças Armadas em campanha, podem fazer esse tipo de testamento e se tiver esse tipo de solenidade mencionada no art. 1895, não caduca nunca. Essa é uma crítica que a doutrina já fazia ao tempo do Código revogado. O legislador do NCC teve a oportunidade de tirar isso daí e não o fez. Então, provavelmente, a crítica vai permanecer em relação ao testamento militar.
- Esse testamento militar é só quando estiver a serviço das Forças Militares?
- Sem dúvida, interpretação restritiva sempre.
- Mas você acha isso um privilégio?
- Eu acho, muito grande até. Por que é que você só pode testar da forma ordinária e um civil, como você, que ajudou durante a campanha, essas pessoas que vão ajudar na enfermaria...
- Mas aí o legislador estava pensando numa missão de guerra...
- Ué, durante a guerra não tem um hospital, uma base, não tem uma tenda...
- Mas refere-se a pessoas que estão numa situação de guerra. Em campanha significa em área de guerra conflagrada.
- É. E vem o art. seguinte e ainda piora a situação porque diz assim:
As pessoas designadas no art. 1893 (que são as pessoas que podem testar na forma militar), estando empenhadas em combate, ou feridas, podem testar oralmente (aqui está o testamento nucumpativo), confiando a sua última vontade a duas testemunhas.
Parágrafo único. Não terá efeito o testamento se o testador não morrer na guerra ou convalescer do ferimento.
Mas vamos imaginar que ele tenha morrido. E vejam que situação gravíssima. Eu vou exemplificar o caput para encerrar nossa aula.
Imaginem que o sujeito lá, no meio da batalha, diga assim para os amigos de combate que estão ao lado dele: se eu morrer, avisem à minha mulher que essa chave que está aqui no meu cordão é do armário da rodoviária tal, onde eu guardei uma bolsa com os dólares para custear o estudo das crianças. E se aqueles amigos nada falarem? Violaram a legítima de herdeiras necessárias. Tudo bem, existe uma situação excepcional que o militar em combate está enfrentando. O Direito faz tudo para que ele possa dispor da sua última vontade. Mas é preciso cercá-la de segurança, para que essa vontade seja cumprida. Argumenta-se que ele, a qualquer momento, pode levar um tiro ou ser alvo de uma granada e morrer; enfim, tem de dar uma chance de ele testar. Sim, o Direito presume a boa-fé, por isso traz uma regra como essa. O Direito presume que aqueles colegas de combate vão revelar a última vontade dele. Não se pode trabalhar com a presunção de má-fe. Mas é uma regra muito perigosa, porque pode violar aquilo que a lei mais quis proteger: a legítima dos herdeiros necessários. Eu sei que o militar vive uma situação adversa, mas o legislador parece ter sido pouco cuidadoso com a legítima quando quis ser muito cuidadoso com a última manifestação de vontade. É difícil trazer regras nesse sentido? É, mas talvez fosse melhor deixar a interpretação a cargo do Judiciário em cada caso.
- ...........
- O testamento nucumpativo não tem nada a ver com a outra regra do que caduca. Porque o que caduca não é oral, não é verbal, é escrito.
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- Eles podem modificar o seu testamento. Mas se eles não o modificarem ele não caduca. Mas mesmo tendo aquela nota, que o parágrafo único do art. 1894, você em terra pode modificá-lo? Pode, a pessoa que testou pode modificar o testamento a qualquer momento. Se o testador não modificar aquele testamento ele continua valendo.
- O nucumpativo é oral. Não existe a hipótese dele não caducar. O art. 1895 se refere ao testamento escrito, e é o art. 1896 que se refere ao testamento oral. E o nucumpativo só existe nessa hipótese expressa e para o testamento militar.
O outro, que pode nunca caducar não é o testamento oral - é o testamento escrito. E esse testamento escrito que pode nunca caducar se ele nunca caducar é por vontade sua. Porque se você quiser modificar esse testamento ele vai caducar. Se você, em terra, resolve ir ao cartório testar de forma pública e modifica aquelas disposições, você revogou o seu testamento.
Qualquer testamento é um ato revogável; até este, que a lei permite que não caduque, é um ato revogável. Mas quem pode revogar? Você que testou
A questão é: e se você nunca quiser revogar aquele testamento? Ele permanece valendo. Assim, se ele nunca caducar é por vontade do testador.